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Foi uma barra. Entre 2001 e 2004, a cantora paulista Zizi Possi, uma das melhores vozes da música popular brasileira, trabalhou pouco, muito menos do que desejava. O motivo: uma depressão profunda que a tirou de cena. Nesse meio tempo sua filha, Luiza Possi, despontou no mundo pop, o que deu aos fãs da veterana intérprete a sensação de que ela não estava tão ausente assim.

Superado o pior da crise, Zizi, às vésperas de completar 50 anos, está de volta. E em grande estilo. Acaba de lançar, em parceria com o produtor Manoel Poladian e com distribuição da Universal, o registro em CD e DVD do show Para Inglês Ver e... Ouvir, projeto que começou pequeno no Bourbon Street, tradicional casa de espetáculos paulista, e, graças à ótima repercussão de público e crítica, foi parar em palcos maiores, já sob a direção do irmão da cantora, José Possi Netto.

Gravado ao vivo no Teatro Shopping Frei Caneca (São Paulo), em agosto passado, Para Inglês Ver e... Ouvir é um requintado e eclético passeio pela cancioneiro internacional em língua inglesa. De Cole Porter ("Love for Sale", incluída na trilha de Belíssima) à banda britânica Queen ("Love of My Life"), passando por Johnny Rivers ("Do You Wanna Dance?), o repertório percorre, como Zizi mesma faz questão de explicar, uma lógica nada lógica, "sem leis de mercado ou de décadas, ou até mesmo de autores". Leia a seguir trechos da entrevista exclusiva concedida pela cantora ao Caderno G.

Zizi, o que a levou a fazer um espetáculo como o Para Inglês Ver e... Ouvir? Como se deu a escolha do repertório? São canções de sua memória, digamos, afetiva? O show partiu de um convite para preparar um concerto com repertório, inédito até então, na minha voz. Como a casa de quem partiu o convite tem por característica apresentar artistas e bandas geralmente americanos, percebi que havia chegado a hora e o lugar para cantar um repertório que sempre tive o maior desejo de cantar.

Num segundo momento, quando a resposta por parte do público e da crítica foi unanimemente favorável, Poladian e eu nos associamos e transformamos o concerto em show, com direito a direção do meu queridíssimo irmão José Possi Neto, iluminação, figurino, produção, enfim, realização de gente grande. Quanto ao repertório, o critério foi o prazeroso, sem deixar de lado a qualidade intrínseca da canção, a ressonância. Percorri várias épocas, sem leis de mercado ou de décadas, ou até mesmo de autores. Nesse trabalho, difícil mesmo foi escolher o que vai ficar de fora!

Você é uma cantora que já gravou desde grandes nomes da canção nacional até standards da música internacional. Como você se define hoje como artista?A música como arte que é, tem formas infinitas. Quem a expressa, o artista, é um canal da sua expressão. Sou uma intérprete que goza da liberdade intrínseca desse caminho.

O mercado fonográfico sofre hoje com a pirataria disseminada, o jabá institucionalizado e, principalmente, com o imediatismo das gravadoras, que querem resultados instantâneos, com ou sem qualidade atrelada. Qual é a sua visão do panorama atual?O mercado de música já movimentou um capital considerado o segundo maior do mundo, e como tudo o que brilha neste nosso sistema capitalista, acabou por ter seu mercado incorporado a sistemas de organização financeira, passando a ser mais um braço de holdings que nunca tiveram por objetivo ou compromisso nada que não fosse a manutenção e ou expansão dos seus lucros a qualquer preço, doa a quem doer. A música não cabe muito bem nesse conceito..... perdeu seu mercado há muitos anos – diria que desde que a RCA foi incorporada pela BMG, a CBS pela Sony, a Polygram pela Universal, etc. A arrogância do poder cegou os responsáveis pelo mercado, fazendo com que subestimassem o poder de qualquer ameaça: pirataria e jabá, por exemplo. Este segundo saiu do controle de quem o criou e fez de presa seu antigo predador. Resumindo, aconteceu com o mercado uma manipulação desmedida e de conteúdo burro, que acabou por condenar um dos maiores mercados do mundo. De minha parte, procuro continuar fazendo música de conteúdo, porque é o conteúdo que mobiliza a maior parte – a poderosa, da grana – do mercado. Por enquanto, ainda é empobrecedor para a alma, e isso é um veneno para a sociedade e para a cultura.

Você foi uma das primeiras artistas a dizer "Basta!" e partir para projetos mais pessoais, autorais e sem a interferência externa de gravadoras. Foi, aliás, um dos grandes momentos da sua carreira – e da música nacional na década passada. Tem vontade de repetir a dose?Nunca deixei de repetir, apesar de ter realizado cinco trabalhos com a Universal depois do meu BASTA. Ele foi principalmente à manipulação de conteúdo e de forma, além da consciência do estrago cultural. De lá para cá (1988), muitas águas rolaram no meio, no mercado e na minha vida. O meio ficou mais consciente e menos passivo, o mercado fica brutal e visivelmente enfraquecido por tantos ataques, e eu realizei trabalhos que considero importantes e bonitos.

Além do Sobre Todas as Coisas e do Valsa Brasileira que são, digamos, autorais, há o Mais Simples. Embora não tenha sido trabalhado pela gravadora, ele é reconhecido como um trabalho purista e utilizado como exemplo pelos especialistas no mundo. Os italianos Per Amore e Passione, que dividem a crítica em preconceito, mas que permanecem inquestionáveis quanto à qualidade e beleza. Há o Puro Prazer, que fiz correndo para evitar que a ambição desqualificada e desmedida do presidente da gravadora na época compilasse os dois italianos, "criando" um terceiro e lançando como novidade para o público. Esse CD foi indicado ao primeiro Grammy latino em três categorias, e quase ninguém sabe. Vendeu 100 mil cópias em 30 dias e a gravadora não gastou sequer um centavo na sua divulgação. Há o Bossa, gravado em 2001 e abandonado pela gravadora, e posteriormente por mim, graças à frustração e traição da gravadora e à minha depressão.

Zizi, sua filha Luiza é hoje uma promissora cantora pop, mas que ainda não se interessou pela chamada MPB séria. como você vê isso?Luiza tem 21 anos e gravou seu primeiro CD aos 18, quando foi lançada neste mercado confuso. Nessas condições, em que já é prematura a definição do que quer que seja, fica impossível a definição de uma identidade artística. Honestamente, não queria estar na pele de quem está começando hoje. Ela agora está preparando seu terceiro CD, que na verdade acaba sendo o primeiro com uma vivência mais substancial da sua personalidade, tanto na arte quanto for a dela. Tenho certeza de que esse trabalho vai surpreender – o repertório, que é uma conquista dela, tem músicas inéditas maravilhosas de autores como Ana Carolina, Jorge Vercilo, Paulinho Mosca, Vander Lee, Lenine, além de uma belíssima versão do Chico César e a própria Luiza como autora. Vai ser lindo mesmo!

Você tem algum projeto de CD de canções inéditas? Tem ouvido novos compositores que a interessam e a tocam?Passei do final de 2001 até o final de 2004 segurando a barra de uma depressão e dos efeitos dos remédios – que são difíceis de se lidar, pelo menos para mim. Em 2005, comecei a gerar energia própria mas ainda "low profile" – com isso, quero dizer o espaço para poder ouvir, me informar, internalizar. Deve poder acontecer daqui a pouco, quando eu tiver podido expressar, exteriorizar, me expressar – ou seja – botar prá fora.Depois de uma barra dessas, ser "tocada" por uma obra soa diferente, e eu preciso de tempo para entender esse "toque".

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