Uma das lendas mais célebres da música popular brasileira conta que o poeta Vinícius de Moraes (1913-1980) que se orgulhava de ser “o branco mais preto do Brasil” e o violonista Baden Powell (1937-2000), o maior instrumentista do país no início dos anos 1960, se trancaram por três meses em um apartamento para compor um álbum no ano de 1965.
Após dezenas de litros de uísque - importados com as facilidades que o poeta tinha por ainda ser diplomata - surgiram 25 músicas. Todas escritas sob a influência recíproca da música das religiões afro-brasileiras. Os ritmos dos pontos de candomblé fascinavam os parceiros desde o ano de 1962, quando tinham composto “Berimbau”.
Neste trimestre etílico-criativo, nasceu uma obra-prima da música brasileira, o disco “Os Afro-Sambas”, lançado originalmente em janeiro de 1966.
Como comemoração aos 50 anos do lançamento do álbum, Noize Record Club relança o disco em uma tiragem do LP em 180 gramas, prensada na fábrica Vinil Brasil, em São Paulo.
Segundo Rafael Rocha, diretor de criação da gravadora, a relançamento se deve ao fato do álbum “ser um marco na MPB ao fundir elementos da religião africana com a bossa e o samba. Algo tão importante e contemporâneo até hoje, como vemos em tantos discos atuais”.
“Os Afro-sambas”tem oito faixas. Dentre elas, músicas que se tornariam clássicos como “O Canto de Ossanha”.
Baden ao violão divide os vocais com Vinícius e um “coro afetivo” que faz as vezes dos frequentadores de um terreiro de candomblé. Compõem o coro um médico pessoal de Vinícius, a atriz Betty Faria, o conjunto vocal Quarteto em Cy e entre outros amigos.
Capa original do álbum lançado em 1966.
Ruptura
Para o escritor e crítico musical Nélson Motta, o disco caiu como uma “bomba de ritmo sobre o intimismo da bossa nova” e provocou uma ruptura na música brasileira.
“Com a bossa nova já decadente no Brasil e com seu parceiro Tom Jobim nos Estados Unidos, Vinícius mudou de novo e criou um estilo oposto à bossa branca e carioca, inspirado pelos rimos e cantos do candomblé da Bahia e pelo mundo dos orixás”, explica Motta.
No texto original de apresentação do disco, Vinícius escreveu que ele e Baden conseguiram “carioquizar, dentro do samba moderno, o candomblé afro-brasileiro dando-lhe ao mesmo tempo uma dimensão universal”.
A viúva de Baden, Sílvia Powell, disse que o marido tinha paixão especial por este trabalho.
“Era pra ele, a composição que veio pra ficar. Gostava muito do disco, mesmo que a parte técnica não fosse das melhores. Não existia tecnologia de ponta, imagina se existisse”.Para ela, qualquer rótulo que se queira colocar no álbum é supérfluo. “Afro-Sambas, por si só já diz tudo”.
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