Custou, mas parece que o cinema brasileiro percebeu que religião é, entre outras coisas, um negócio rentável. Depois de dois filmes produzidos pelo padre Marcelo Rossi - "Maria, A Mãe do Filho de Deus" (2003) e "Irmãos de Fé" (2004) - e da leva de filmes espíritas - como "Nosso Lar" e "Chico Xavier", ambos de 2010 - chega aos cinemas de todo o país "Aparecida - O Milagre", dirigido por Tizuka Yamasaki ("Xuxa em O Mistério de Feiurinha").
O filme não é exatamente sobre a Padroeira do Brasil - embora a história da descoberta da Nossa Senhora Aparecida seja contada três vezes, uma delas com direito a figurino de época. O longa é a história da perda e do posterior reencontro da fé do protagonista, Marcos (Murilo Rosa). Ele nasceu na cidade de Aparecida do Norte (SP) e brigou com a santa ainda criança, quando seu pai (Rodrigo Veronese) morreu ao cair de um andaime.
Marcos cresce um empresário frio, que se distancia da família, separa-se da mulher, a pianista Sonia (Leona Cavalli), e vive em conflito com o filho Lucas (Jonatas Faro). A única pessoa mais próxima é sua secretária Beatriz (Maria Fernanda Cândido), que tem uma paixão platônica por ele. O enredo, como deixa clara a primeira cena, envolve um acidente de moto e o desespero de Marcos pela vida do filho, que está em coma.
É uma história um tanto banal, que já foi contada inúmeras vezes de várias formas no cinema e na televisão. Isso não seria um grande problema, não fosse a displicência de todo o projeto. O roteiro de "Aparecida - O Milagre", assinado por quatro pessoas, alia situações mal trabalhadas a diálogos rasos e metáforas sem pé nem cabeça. Por exemplo, quando Beatriz quer dizer ao chefe que ele é egoísta, ela fala: "Você não tem espaço interior para amar ninguém". E por aí vai.
Sem "espaço interior para amar", Marcos beira o estereótipo de vilão de novela mexicana, mas que, aos poucos, é tocado no coração e se redime. Já Beatriz é uma personagem que não diz a que veio. Parece estar apaixonada pelo patrão, mas abre mão do amor em prol da família dele. Já os demais são incapazes de causar qualquer impressão mais forte - seja pelos desempenhos pouco esforçados dos atores, ou dos próprios personagens, rasos e mal resolvidos.
Da mesma forma, pouca atenção se prestou ao continuísmo, por exemplo, no cabelo da personagem de Maria Fernanda Cândido, que parece mudar de forma a cada cena; ou ao fato de que quatro pessoas entram numa UTI sem qualquer proteção ou assepsia, afrontando além da conta um respeito mínimo ao realismo da situação. Sotaques interioranos que parecem inspirados em alguma revistinha de Chico Bento são outro detalhe descuidado.
O que há de melhor no filme, no entanto, é a própria Basílica de Aparecida, com sua construção imponente e suas romarias que não parecem ter fim. Mas a diretora Tizuka parece não se importar muito com isso, deixando o que poderia haver de mais interessante e diferente em segundo plano ao concentrar-se no drama pessoal do protagonista, buscando lágrimas fáceis do público - afinal, quem não sem emociona com um pai clamando pela vida de um filho?
Ao final, letreiros informam que cerca de 9 milhões de pessoas visitam o santuário todos os anos. Se metade dessas pessoas forem ao cinema ver "Aparecida - O Milagre", o filme já estará entre as maiores bilheterias nacionais desta virada de ano. No entanto, resta saber se o catolicismo, no cinema, terá tanto apelo quanto o espiritismo demonstrou até aqui.
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