O ator paulistano Pascoal da Conceição, sósia do escritor Mário de Andrade (1893-1945), roubou a cena na noite de abertura da Festa literária de Paraty (Flip) 2015. Caracterizado como o homenageado do ano, de terno de linho branco e um buquê de margaridas à mão, Pascoal levantou-se da plateia e interrompeu a fala do biógrafo Eduardo Jardim durante a conferência de abertura. O ator declamou o poema “Meditação sobre o Tietê”, último texto escrito em vida por Mário de Andrade, e que tinha sido escolhido pelo biógrafo do modernista, Jardim para encerrar a sua fala na apresentação da Flip 2015.
OPINIÃO
O primeiro ato da Flip 2015 dificilmente será superado como o momento a ser lembrado nesta edição da festa. Se o italiano Roberto Saviano não apareceu, apareceu o espectro gaiato do próprio Mário de Andrade. No final, talvez tenha sido preferível. A bela e caótica Paraty talvez seja um cenário ideal para uma vingança degustada fria pela Camorra italiana contra o premiado delator escritor que não pôde vir. Já a impertinente quebra do protocolo do ator e sósia Pascoal da Conceição não merece uma vendeta fatal, ainda que tenha constrangido duramente a organização e os convidados da mesa de abertura. Pela qualidade do conteúdo da mesa de abertura e pelo seu inusitado desfecho, a Flip 2015 começa bem.
A intervenção não foi programada e surpreendeu Jardim, que embora tenha tratado o invasor com gentileza ficou visivelmente constrangido e não conseguiu terminar sua participação. “Paulo [Werneck, curador da Flip] venha nos salvar aqui”, implorou.
O curador por sua vez procurou manter a calma, mas deixou claro que foi pego de surpresa pela intervenção. “A quebra do protocolo também tem a ver com o espírito da Flip, mas só às vezes”, disse Werneck.
No final, Pascoal acabou sendo a personalidade mais procurada pela imprensa e por fãs que fizeram fila pra tirar foto com o espectro de Mário de Andrade. O ator disse que tinha procurado a organização do evento e proposto uma performance, mas como não teve resposta fez pro conta própria.
Quando Jardim começou a declamar o poema testamento de Mário, o sósia sentiu que era seu momento de encarnar o personagem. “Com a bola quicando na área, a gente faz até gol contra”, brincou, dizendo que seu ato foi uma “homenagem à grande importância que Mário de Andrade tem na cultura nacional”.
Antes da quebra do protocolo, dois dos maiores especialistas em sua obra já tinham feito esta celebração. Jardim contando a trajetória artística, pessoal e politica de Mário de Andrade. Antes dele, a crítica e professora da USP Eliane Robert de Moraes (organizadora da “Antologia da poesia erótica brasileira”) analisou o erotismo na obra de Andrade e sua homossexualidade “proibida”.
“Precisamos poder dizer em 2015 que sim, Mário de Andrade era homossexual, mas que a sua sexualidade é apenas um fator de sua obra literária tão vasta e importante”, disse Eliane. Completou a mesa de abertura a ensaísta argentina Beatriz Sarlo que comparou a literatura de Andrade a de seus contemporâneos argentinos.
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