"Também me chama a atenção a desesperança, a crítica social, o discurso de classes e a melancolia que aparecem em algumas letras."
Abraham Ignácio Serrano Muñoz, mochileiro chileno, sobre o samba brasileiro.
Até ontem, quem resolvesse fazer uma boquinha na lanchonete-escola do Senac, na Rua André de Barros, 750, corria o risco de ser atendido por um personagem inusitado: Abraham Ignácio Serrano Muñoz, 28 anos, chileno de Santiago, mochileiro, anarquista e fã entusiasmado do samba e da Música Popular Brasileira.
Neste momento, ele provavelmente está a bordo de um ônibus internacional, na companhia da namorada, a curitibana Cassiana, encarando 54 horas de viagem até a capital chilena, onde o casal vai passar alguns dias antes de se estabelecer em Mendoza, na Argentina o endereço dos dois nos próximos quatro meses. Tudo porque Cassiana conseguiu um intercâmbio junto ao curso de Ciências Sociais da UFPR, do qual ela é aluna.
A namorada que ele conheceu mochilando no sítio arqueológico de Tiwanaku, na Bolívia, em 2011 é a "culpada" por Abraham ter abandonado a terra natal, e também quem o ajudou a aprofundar os seus conhecimentos da música brasileira. "Eu já conhecia alguma coisa, como Chico Buarque, Caetano Veloso e João Gilberto, por influência do meu irmão Renato, que é violonista clássico", contou ele. "Mas a Cassiana me apresentou Cartola, Pixinguinha, Beth Carvalho, Nelson Cavaquinho, Clementina de Jesus, Carlos Cachaça, Zeca Baleiro e muitos outros."
O samba arrebatou o chileno pela riqueza lírica e também pela relação dos artistas com a política, já que ele é anarquista convicto. "É uma prosa e uma poesia muito boas, mesmo com a maioria dos músicos vinda de lugares muito pobres", observa. "Também me chama a atenção a desesperança, a crítica social, o discurso de classes e a melancolia que aparecem em algumas letras."
Hoje, Abraham é quase um estudioso da MPB: tem arquivada no computador a discografia completa dos principais artistas, lê livros e biografias (em português) sobre o tema, e é capaz de falar com desenvoltura sobre vários deles como Cartola, por exemplo: "A vida do Cartola é incrível... foi pedreiro, lavador de carros, e gravou seu primeiro disco aos 65 anos", comenta.
Odisseia
Ex-estudante de Psicologia (largou a faculdade no terceiro ano, por "divergências ideológicas"), Abraham foi parar atrás do balcão da lanchonete do Senac depois de uma odisseia latino-americana: seis meses depois de conhecer Cassiana na Bolívia, ele percorreu de ônibus os 3 mil quilômetros que separam Santiago de Curitiba. "Eu estava gostando dela, e também sempre me interessei pelo Brasil, com toda a sua diversidade cultural", revela. "Conversamos e eu resolvi vir."
Já na capital paranaense, o chileno viveu durante três meses na Casa do Estudante Luterano Universitário (Celu) e depois em pensões no centro da cidade, antes de alugar um apartamento com a namorada no Cristo Rei. Nesse meio tempo, sobreviveu de bicos: "Vendi hambúrgueres de soja na UFPR e fui auxiliar de cozinha em muitos hotéis", relembra.
O Senac ele conheceu graças à paixão pelo chocolate, bolos e doces. "Eu sempre gostei de comer chocolate, sabia fazer café colonial, e a Cassiana sugeriu que eu desse uma olhada nos cursos do Senac", conta. "Graças ao PSG [Programa Senac de Gratuidade, que oferece bolsas a pessoas de baixa renda], consegui fazer o curso de confeiteiro."
Depois que a namorada terminar o intercâmbio e concluir a graduação, o casal pretende voltar a morar no Brasil mas não em Curitiba. "Ela não gosta daqui, e eu também prefiro uma cidade com um clima um pouco mais estável. Estamos pensando em Recife, no Rio ou na Bahia."
PGR denuncia Bolsonaro no STF por suposto plano de golpe
Impopularidade de Lula piora tensão entre poderes e eleva custo da governabilidade
Apostas em impeachment de Lula já ou vitória nas urnas em 2026 dividem direita
Tarcísio empata com Lula em eventual 2º turno à presidência em 2026; governador nega candidatura