“Captain America’s been torn apart” (Capitão América foi dilacerado), gritava Axl Rose, ainda longe do AC/DC, em ‘Paradise City’, do Guns’n’Roses, no início dos anos 90. Duas décadas depois, uma polêmica de proporções mundiais parte ao meio, de fato, o ícone americano da Marvel, protagonista do filme de maior sucesso da editora de quadrinhos, “Guerra Civil”.
Em “Capitão América: Steve Rogers 1”, lançado esse mês nos EUA, com texto de Nick Spencer (que também é o atual responsável pela série do Homem-de-Ferro) e arte de Jesus Saiz, descobre-se que o Capitão é, e sempre teria sido, um agente duplo da Hydra, organização nazi-fascista que sempre combateu.
Os fãs não gostaram — ainda que tenham sido precipitados — e ameaçaram Spencer de morte em redes sociais. “Morra, Rato!”, “Você transformou um símbolo anti-nazi em um nazista”, “São 75 anos de história jogados fora!”: foram algumas das ofensas ao escritor que, no entanto, merece mais crédito. “Fico feliz em ver tanta polêmica e paixão em cima de histórias em quadrinhos”, respondeu Spencer.
Fonte da juventude
Após Secret Wars, ainda inédita no Brasil em sua terceira versão, o Universo Marvel voltou unificado e com uma série de pequenas mudanças. Steve Rogers rejuvenesceu e divide o manto do Capitão com Sam Wilson, o Falcão, que se tornou o Capitão América recentemente e tem tratado de questões sociais em suas histórias. Com Rogers jovem de novo, Spencer teria que inovar para conseguir impacto na nova série. “Era preciso fazer algo novo e inesperado além de rejuvenescer o Capitão. Ninguém se surpreendeu com o rejuvenescimento, mas com isso, sim”, justificou o editor Tom Brevoort à revista Entertainment Weekly.
Branco e de origens judaicas, Rogers representou as minorias desde a origem, combatendo o nazismo. Seus fãs mais ardorosos queimaram as novas edições da revista. A virada do Capitão começa com lembranças de infância, cuja mãe o criou sozinho após o abandono do pai, que era alcoólatra e violento em casa. Rogers procurou o exército e se tornou um super soldado contra Hilter.
Inspirado em Donald Trump
O intervalo entre as brigas dos pais e sua adolescência pobre nunca havia sido tão explorado. Sarah Rogers, a mãe de Steve, teria sido salva da violência doméstica por uma agente da Hydra. A história corre por vários temas polêmicos, desde a influência desta agente na infância de Steve, a mãe recrutada pela organização que foi sua antagonista por décadas, críticas ao discurso nacionalista americano e até insinuação de relação homoafetiva entre a mãe e a agente.
Um dos pontos altos da primeira edição está no discurso do Caveira Vermelha, maior rival do Capitão, recrutando americanos brancos para a causa da Hydra. Ele aborta temas como a “recuperação da terra das mãos ‘deles’ [os imigrantes]” e o “orgulho ferido”, numa clara alusão ao candidato à presidência americana Donald Trump. A referência aos soldados do Estado Islâmico também é clara. Porém, a dúvida começa a ser plantada quando o Barão Zemo se opõe ao Caveira no que considera ser o real princípio da existência da Hydra. É a partir daí que as pontas ficam soltas para o agente duplo. Spencer garantiu que não se trata de um clone ou de lavagem cerebral, saída habitual dos quadrinhos.
E ainda assumiu que a história foi sim uma grande jogada comercial, mas que há muita coisa mais profunda pela frente, ao responder mensagens no Twitter. Uma delas instruía os leitores revoltados a ler “Capitão América: Sam Wilson”, a outra revista da série; outra comemorava a aprovação de Stan Lee, o mito da Marvel. “Você pode fazer um filme sobre isso, é algo que deixa você curioso, que vai fazer você ler os gibis... eu não tenho como criticar. É uma boa ideia”, resumiu Lee, hoje com 93 anos, cujo primeiro trabalho em quadrinhos foi numa revista do Capitão América, em 1941.
“Diga que não é verdade!”
Chris Evans, ator que deu vida ao Capitão nos cinemas, não resistiu a polêmica e soltou um “Hydra?! Diga que não é verdade!” Os filmes, porém, podem ganhar nova vida com a ideia. O contrato de Evans com a Marvel tem apenas mais dois filmes pela frente, ambos dos Vingadores. E a franquia própria do Capitão pode ser encerrada com a trilogia já exibida: “O Primeiro Vingador” (2011), “O Soldado Invernal” (2014) e “Guerra Civil” (2016).
Para Tom Brevoort, não há correlação: “Adoro os filmes, mas as revistas operam numa raia diferente”. Os brasileiros deverão levar um tempo para ler essa história em português. A Panini Comics, responsável pelos quadrinhos Marvel no Brasil, está com uma defasagem de cerca de um ano na cronologia das histórias. Quem quiser ler em inglês pode encontrar a revista digital no site da Marvel por US$ 4,99 (cerca de 18 reais).
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