São Paulo (Folhapress) Tennessee Williams, claro, é mais conhecido por suas peças: Gata em Teto de Zinco Quente e Um Bonde Chamado Desejo. Mas muita gente se esquece de que, criador incansável, também escreveu romances (A Primavera Romana da Senhora Stone) e histórias curtas, como os da coletânea 49 Contos, recém-lançada pela Companhia das Letras (696 págs., R$ 46).
O primeiro dos textos da coleção, por exemplo, sobre uma rainha egípcia que se vinga dos assassinos do irmão, foi publicado em 1928, quando Williams tinha 17 anos. Contava com 66 anos, quando elaborou o último. E, desde os 14, segundo afirma, já era "escritor inveterado".
O leitor encontra, em muitos, o embrião de suas peças famosas, como a situação de Retrato de uma Moça em Vidro, que se transformaria na trama de À Margem da Vida, ou A Noite do Iguana, que inspiraria o drama teatral homônimo.
Mesmo os motivos e as obsessões do autor já estão aqui, em semente. No conto "A Bolsa Aljofarada de uma Senhora", de 1930, o protagonista esquiva-se das luzes, procurando o refúgio nas sombras, como Blanche Dubois de Um Bonde.... Ecos de Stanley Kowalski estão em O Maneta, cujo protagonista, um michê de Nova Orleans dotado de irrefreável energia animal, é descrito como "estátua mutilada de Apolo".
À margem
Os personagens se dividem entre os que, diante do mundo invariavelmente hostil, anseiam por "seguir em frente" (atitude em que se oculta o "segredo da sobrevivência heróica da vida") e aqueles que procuram a evasão por meio da fantasia, da expiação ou das sombras, como o livreiro de "Alguma Coisa de Tolstói".
É evidente a predileção de Williams por esses bovaristas existenciais ou pelos desajustados garotos de programa, párias da sociedade. Do mundo, terreno para a devoração do homem pelo homem tanto no plano econômico quanto afetivo (ou até literal, em alguns casos), quase nunca vale a pena fazer parte.
Tome-se o conto "A Maldição". Nem Marx obteria uma descrição mais pestilenta de um grupo de acionistas, chamados de "ninho de baratas negras", ou Sartre alcançaria uma visão mais desoladora do nosso planeta, esse "curioso incidente da matéria" que se move como um boi estúpido "num sulco circular, arando porções de tempo para a conveniência do homem".
São descrições de grande impacto, que se casam perfeitamente com o tom entre trágico, lírico e patético destilados pelas histórias. Não é certo, portanto, julgá-las apenas como um trampolim para as realizações maiores do autor, no palco. Gore Vidal assegura que, sem disporem da genialidade de Chekhov, elas logram envolver o leitor, como nenhuma outra narrativa de escritor americano, com exceção de Mark Twain.
É mais do que isso, porém. Nos seus melhores momentos, estes contos, em termos formais, alinham-se entre os grandes do gênero e, mesmo quando não se mostram tão bem resolvidos estruturalmente, deixam entrever o brilho sombrio de um artista que, sem nenhuma crença na humanidade, comprazia-se em perscrutar a alma do homem.