No Brasil para lançar seu novo filme, o astro Viggo Mortensen recebeu a reportagem do G1 para uma entrevista bem à vontade, descalço e vestindo uma camisa do Flamengo. Numa mão, um cigarro, na outra, chimarrão, hábito adquirido nos anos em que morou na Argentina, na infância. "Tenho um grande carinho pela América Latina, aqui me sinto em casa", diz. O ator, que conquistou fãs no mundo inteiro por seu papel de Aragorn na trilogia "O senhor dos anéis", está no país para promover "Um homem bom", uma produção internacional dirigida pelo brasileiro Vicente Amorim (de "O caminho das nuvens"). No longa-metragem de época, que fecha o Festival do Rio na quinta-feira (9), Viggo interpreta Halder, um intelectual alemão dos anos 30 que acaba trabalhando para o governo nazista. Na entrevista, o ator fala de seu polêmico papel na produção e de suas paixões, que incluem a política, a poesia, a pintura e a música. Ele também revela como é chegar aos 50 anos com um status de símbolo sexual e relembra as filmagens da trilogia de Peter Jackson. E tem mais: Viggo afirma que deve voltar a encarnar Aragorn em breve, na adaptação de "O Hobbit". É sua primeira vez no Brasil? Está gostando da visita ao Rio?
Viggo Mortensen - Tinha vindo uma vez a São Paulo, mas não conheci nada. Agora estou gostando muito de tudo. Gosto especialmente da arquitetura, achei muito interessante. Quero visitar muitos lugares no Rio. Morei na Argentina dos três aos 11 anos e tenho um grande carinho pela América Latina; aqui me sinto em casa. Você foi apontado recentemente como um dos homens mais bonitos do mundo. Você se vê como um símbolo sexual?
A cada segundo da minha vida (risos). Na verdade, é como se não estivessem falando de mim. Esse tipo de fama foi criada para vender revistas. Não é insultante, mas não tenho nenhum prazer nisso. Já a minha mãe fica muito feliz (risos). Como você descreveria o filme 'Um homem bom'?
É uma história muito diferente de outras que falam sobre o nazismo. Na verdade, é uma história sobre pessoas tomando decisões. Não existe a preocupação em contar o que aconteceu na Alemanha daquela época, isso já conhecemos. O filme retrata o comportamento humano e mostra como as nossas pequenas escolhas estão envolvidas na sociedade em que vivemos. Como foi o desafio de fazer o público se identificar com um personagem nazista?
O nazismo não ocorreu porque só tinha gente maluca na Alemanha, foi porque todos, coletivamente, decidiram seguir aquele caminho. A maioria dos filmes mostra como os nazistas eram loucos e obsessivos, julgando e culpando essas pessoas por todo o sofrimento que resultou. Eles dizem: 'nunca vamos esquecer o que aconteceu a nós por causa do que eles fizeram'. Para mim, não existe essa barreira, a culpa é de toda a humanidade. As pessoas esquecem que atrocidades também aconteceram no Chile, no Brasil e ainda acontecem nos EUA de hoje. Por que você se sentiu atraído por esse projeto?
Mesmo sendo um filme de época, ele é relevante hoje, para fazer a gente enxergar o que acontece no mundo, na política de hoje. Você assiste ao filme e acha que o protagonista é uma pessoa decente, legal, uma boa pessoa. Mas aos poucos ele mergulha no nazismo e vai longe demais. Mas quem sabe eu faria a mesma coisa. E o Vicente [Amorim] faz essa transição de uma forma especial, sem abrir mão da honestidade. Acho que outro diretor, como [Steven] Spielberg, faria de uma forma mais fácil de digerir, colocando o personagem como vítima ou vilão. É impossível aceitar ou perdoar o que o personagem faz, mas conseguimos entender sua lógica e seus sentimentos. Você acha que o seu personagem em 'Um homem bom' é um homem bom? E você? é um homem bom?
Isso é relativo. Um homem bom para quê? O conceito de bom não é constante, é um processo. Para ser bom, você tem que tentar ser bom todos os dias, todos os minutos. Isso também serve para eu mesmo: nem sempre sou bom. Como você se preparou para encarnar o papel?
Li muitos livros e visitei a Alemanha. Em Berlim, fui a um concerto ouvir a música de [Gustav] Mahler, que era tocada na época mostrada no filme. Isso fez com que eu me sentisse um pouco parte daquela cultura, daquele povo. E esse é meu trabalho: olhar para o mundo pelo ponto de vista de outra pessoa.
Como foi trabalhar com o brasileiro Vicente Amorim?
Se você realmente curte o que está criando em conjunto, o trabalho fica divertido, principalmente se o diretor também está se divertindo. Já se o diretor só fica gritando, mandando e xingando por toda parte, como muitos fazem, então é diferente. Já trabalhei com muitas pessoas assim, terríveis, em Hollywood. No caso do Vicente, o set parecia uma família. Ficamos muito amigos. Até adotei o Flamengo como time. (risos) Você teve esse mesmo sentimento de união durante as filmagens de 'O senhor dos anéis'?
Sim. Ficamos na Nova Zelândia durante um longo tempo, e era muita gente. Ficamos muito próximos. Mas os sets em que me senti melhor foram o de Vicente e o de David Cronenberg [em "Senhores do crime"]. São diretores que transformam o trabalho em diversão. Outros acham que tem que ser um sofrimento. Para um ator, é muito importante ter uma boa energia da equipe, ajuda muito, dá confiança.
Você guarda boas lembranças do personagem Aragorn, da trilogia 'Senhor dos anéis'?
Sim, mais ou menos. Na verdade, não deu nem para sentir saudades, porque devo voltar ao papel em breve.
Você vai estar na adaptação de 'O Hobbit'?
Provavelmente sim, mas ainda não tem nada assinado.
Além de atuar, você também escreve poesia, pinta, toca jazz e faz fotografias. Como dá tempo de fazer isso tudo?
Essas coisas me fazem feliz. Tento arrumar tempo para conseguir produzir tudo que quero. Durmo pouco e me dedico somente às coisas de que gosto.
Como você se sente aos 50 anos?
Me sinto bem. Fico surpreso, porque quando paro para pensar em determinados filmes que fiz há anos, parece que tudo aconteceu ontem. É como se não tivesse passado tanto tempo. Mas foram 25 anos de carreira, mais tempo do que a idade de muitos atores com que trabalho. A vida passa, e tantas coisas acontecem que não paro para pensar. Hoje estou aqui, amanhã não sei se estarei.