Gerou bafafá a notícia de que Arcade Fire e New Order se apresentariam exatamente no mesmo horário no segundo dia do Lollapalooza 2014, festival que ganhou o Autódromo de Interlagos, em São Paulo, no último fim de semana. Depois de assistir ao show dos canadenses, entretanto, o sentimento é de que valeu a pena encarar o artista e sua obra em movimento ao invés de prestigiar algo clássico e indubitavelmente valoroso. Desculpe aí, Bernard Sumner.
A ópera indie proporcionada pela banda de Win Butler e Régine Chassagne teve tudo aquilo que um show histórico carrega consigo: envolvimento, repertório, execução, catarse e emoção. Tudo começou com a exibição de um trecho do filme Orfeu Negro (1959). Ao vivo, o Arcade Fire vai do pop barroco à dance music com maestria e naturalidade. "Neighborhood #3 (Power Out)", "Rebellion (Lies)" e "Ready to Start" se mostraram gigantescas, e emocionaram devido à entrega da plateia, refém de cada acorde da superbanda de 12 músicos. No carnaval canadense, houve ainda espaço para citações a Tom Jobim em "Its Never Over (Oh Orpheus)" e a Caetano Veloso, na sensacional "Here Comes the Night Time". Voltando ao dilema New Order: foi como ter escolhido ver Michelangelo pintar a Capela Sistina ao invés de tirar uma foto da Mona Lisa.
Domingo quente
Johnny Marr, ex-guitarrista dos Smiths, tocou para uma multidão que sofreu com o sol das 2 da tarde. Músicas de The Messenger, seu bom disco solo, encorparam o repertório que incluiu clássicos da banda de Morrissey. Até o lendário baixista Andy Rourke deu as caras em "How Soon Is Now"; e lágrimas rolaram depois de "There Is a Light That Never Goes Out".
Depois de caminhar dois quilômetros em direção a outro palco, a surpresa do Lolla 14: a banda britânica Savages. Formada só por mulheres, o grupo bebe de um pós-punk soturno, que lembra a fase inicial do Echo & the Bunnymen. A assertividade da vocalista Camille Berthomier e o talento da guitarrista Gemma Thompson são memoráveis.
Já ao pôr do sol, o Pixies, com a nova baixista Paz Lenchantin, fez um show nervoso e pesado. À noite, um compenetrado Jake Bugg misturou folk ao rock britânico, e empolgou. Competentíssima, a apresentação contou com cover de Neil Young "My My, Hey Hey (Out of the Blue)".
Sábado xoxo
Com ingressos esgotados 70 mil almas se espremeram em Interlagos , o sábado foi o dia mais pop. E mais fraco. Bandas frágeis e "coxinhas", como Imagine Dragons e Capital Cities, passaram despercebidas. A Portugal. The Man tentou, mas não conseguiu. E Cage the Elephant provou que é mesmo boa ao vivo.
Interessante foi a apresentação de Lorde, a menina neo-zelandesa de 17 anos. Seu trip-hop desacelerado é instigante, mas funcionaria melhor com uma banda de verdade, e não só com samplers e playbacks. À noite, Nine Inch Nails fez um show tortuoso e áspero. Apesar do carisma errático de Trent Reznor, parecia que o NIN tinha caído de paraquedas no festival. Já o Muse, com sua farofa alternativa, fechou a primeira noite com um show morno Matthew Bellamy, gripado e rouco, sofreu um bocado. Houve até homenagem aos 20 anos de morte de Kurt Cobain, com o cover de "Lithium". Se bem que o Nirvana podia ficar sem essa.
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