O cinema do diretor Darren Aronofsky grita: a vida é dura e a felicidade, improvável. O fatalismo marca Réquiem para um Sonho, define O Lutador e atinge o apogeu em Cisne Negro, que concorre a cinco estatuetas no Oscar 2011. Aronofsky sabe o que quer e prova uma habilidade ímpar na história da jovem e frágil bailarina desafiada a virar gente grande por um diretor perfeccionista, que precisa urgentemente de uma nova musa para si e para seu balé.
O filme é bom do começo ao fim, mas o último trecho é assombroso. A apresentação de estreia da peça que dá nome à história é pontuada de aflição, suspense e entrega, num processo que termina na implosão da sanidade mental da personagem. Implosão maturada ao longo de toda a história por um roteiro muito bem calibrado.
A bailarina Nina é interpretada por Natalie Portman. Ela empresta seu jeito de menininha fofinha a uma personagem densa e obcecada, com uma mãe frustrada que complica tudo. Já levou o Globo de Ouro e merece o Oscar pelos cinco minutos em que encarna o tal Cisne Negro, num contraponto arrasador a toda candura exposta até então. Com Cisne, Natalie deixa o campo das atrizes que não comprometem e entra no das que fazem diferença.
Nina orbita em torno do coreógrafo e diretor da companhia Thomas (Vincent Cassel, sempre bom), Lily/Mila Kunis (a concorrente, ótima), Barbara Hershey (a mãe, irreconhecível) e Beth/Winona Ryder (a musa aposentada à força). Thomas monta uma nova versão do clássico O Lago dos Cisnes. A peça exige dupla face da bailarina principal, que precisa interpretar os cisnes branco (suave e puro) e negro (malévolo e sensual). Para quem dorme num quarto entupido de ursinhos de pelúcia, a segunda parte é um problemão. Thomas tem de forjar o lado selvagem de Nina. Faz o quê? Recorre ao sexo. Consegue. Ela chega lá; vira o furacão que o papel exige. Vence a batalha, mas desiste da guerra. Fim.
Filme barato para os padrões de Hollywood (US$ 17 milhões), Cisne ainda põe um olho cri-cri no universo das companhias de balé, carregadas de esforço pessoal, tirania sádica e inveja. Mostra, enfim, os calos por baixo das sapatilhas. Aronofsky é craque em falar das misérias humanas, seja num ringue de luta livre ou no balé de Nova York. Fez mais um filmão. GGGG
Oscar Röcker Netto é chefe de redação da Gazeta do Povo
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