Entrevista
"Se ontem o modelo foi Paris, hoje é Miami"
Leia a seguir trechos da entrevista de Benjamin Moser, em que o autor comenta a decadência contemporânea da arquitetura brasileira.
Como surgiu o interesse pela arquitetura brasileira e pela interpretação possível que ela oferece do Brasil?
Para quem sabe olhar uma cidade ou um prédio, é como um psicanalista escutar uma brincadeira ou um sonho. Revela tudo, e sobretudo revela coisas que a pessoa não pretende revelar. E como eu venho muito ao Brasil, há muitos anos, fiquei fascinado pelo que o país, por meio dos prédios, fala e não fala. São extremamente eloquentes.
Quais as razões para a paixão brasileira pelo progresso desenvolvimentista, algo ainda presente em projetos como os da Copa?
Colocaria a palavra "progresso" entre aspas grandes. Mas responderia em uma palavra: vergonha. Vergonha do país. Se você ler as justificativas históricas das remodelações das cidades brasileiras, começando pelo Rio de Janeiro de Pereira Passos e a criação da Avenida Central no início do século 20, você nota um desejo de recomeçar, de fazer com que o país seja diferente, e de desprezar o nacional, o local, o que já existe. Ontem o modelo foi Paris, hoje é Miami, amanhã seria, quem sabe, Dubai. E o que acontece, como se vê hoje, é que há um vínculo direto entre os gastos megalomaníacos em projetos "para inglês ver" e o declínio econômico. Acho que os protestos dos últimos anos em torno da Copa, por exemplo, mostram que o cidadão entende isso muito bem.
Em que essa recorrência da substituição do velho pelo novo é algo diferente, no Brasil, de outros países como os próprios Estados Unidos, por exemplo, também uma nação cativada pela ideia de inovação?
A ideia de inovação é diferente. Diria que no Brasil é muito mais ideológico. No campo de urbanismo e arquitetura, há mais de um século, vemos uma ideologia extensamente articulada: mudaremos o país com a destruição de nossas cidades. Por isso começo com a remodelação do Rio de Janeiro nos primeiros anos do século 20. Era um movimento extremamente violento, e embora pareça brincadeira, não é: o "Morro da Favela" foi colonizado por pessoas pobres expulsas para criar o Theatro Municipal, uma coisa pretensiosa.
Livro
Cemitério da Esperança
Benjamin Moser. Cesárea, R$ 3 (e-book).
Benjamin Moser tornou-se best-seller nos Estados Unidos escrevendo sobre o Brasil e, na sequência, fez sucesso também por aqui. Autor da biografia Clarice, sobre Clarice Lispector, publicada em português pela Cosac Naify e, nos Estados Unidos, com o título de Why this World? (Oxford University Press), Moser lança agora um breve ensaio sobre o quanto o projeto monumental da construção de Brasília tem a dizer a respeito do pensamento nacional.
Cemitério da Esperança, e-book editado pela Cesárea, é um texto no qual Moser (que é do Texas e vive hoje em Utrecht, na Holanda) analisa as grandes reformas urbanas brasileiras e encontra nelas um ponto em comum: a ideia de apagar os problemas do Brasil passando uma borracha no espaço público e recomeçando do zero seguindo modelos importados.
Nenhum lugar, para Moser, representa tanto essa ideologia quanto Brasília, capital construída no meio do cerrado, joia da arquitetura modernista e que deveria representar o ingresso da nação em um futuro grandioso que o Brasil mereceria por seu infinito potencial. O resultado é uma arquitetura melancólica, feia e desumana, na visão do jornalista.
Publicado em e-book e comercializado diretamente no site da editora (cesarea.com.br) por R$ 3, o livro de Moser é também uma ação militante. A renda do livro será revertida para o movimento Ocupe Estelita, que surgiu em oposição a um projeto imobiliário de luxo em Recife.
Chamado de "Novo Recife", o empreendimento pretende levantar 12 torres na região do cais, próximo ao centro histórico da capital pernambucana o Ocupe Estelita luta por um projeto alternativo para a área que não descaracterize nem elitize o espaço.
Mais feio
Moser é um visitante recorrente do Brasil e diz que "as pessoas estão muito desmotivadas com o que vem acontecendo em todas as cidades do país, sem nenhuma exceção que conheça, nos últimos 20 anos". Para ele, "o país está cada dia mais feio e todo mundo o sabe".
Ele defende que existem atitudes possíveis. "Há, no Brasil ou no mundo, pensadores e arquitetos que falam desses problemas [arquitetônicos], e oferecem soluções maravilhosas, há quase 50 anos", diz. "O povo precisa exigir governos que começam pelo que já temos, pelo que já aprendemos. E os intelectuais, por sua vez, precisam educar as pessoas para que elas entendam que um shopping monstruoso não é uma inevitabilidade do destino, simplesmente. É uma escolha política que precisamos rejeitar."
Não ficção
No livro , Benjamin Moser comenta que Brasília é o ápice de um pensamento nacional de construir um futuro escondendo os problemas do passado:
Estrangeiro
Para o autor, que é americano, o estrangeiro tem obrigação de falar coisas que a maioria dos brasileiros não falaria. "Não porque não saibam ou não queiram. Mas entrei na briga contra Caetano Veloso e o projeto de censura às biografias [em 2013] justamente porque sei como é difícil para os jornalistas brasileiros, os escritores brasileiros. Como estrangeiro, posso falar, porque não dependo do Brasil, não vivo aqui", explica.
Silêncios
O biógrafo de Clarice Lispector diz que o projeto de censura às biografias, como tantas coisas no Brasil, não é uma ameaça direta. "Esse não é o estilo brasileiro. Mas é um aviso. Porque quem vai comprar briga com gente poderosa? Então há grandes, imperdoáveis silêncios no Brasil", diz.
Monumentos
O ensaio de Moser compara Brasília a um tipo de arquitetura monumental própria de regimes ditatoriais. "Há quem diga que o próprio golpe militar foi resultado de Brasília. Não foi o único motivo da crise econômica, mas era uma coisa que endividava o país bastante. E a crise econômica era uma grande justificativa para o golpe. Depois, naquele sonho de Ordem e Progresso, os militares sentiam-se perfeitamente à vontade", explica.
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