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São Paulo – "A música é subervsiva ao mesmo tempo em que é inofensiva". A frase do intelectual Edward Said representa bem como uma ação cultural em uma zona de conflito pode adquirir importância política. Nos últimos anos de sua vida (morreu em 2003, aos 67 anos, castigado pela leucemia), Said se devotou ao projeto de uma orquestra sinfônica multicultural – organizada em parceria com o pianista e maestro israelense Daniel Barenboim, a West-Eastern Divan Workshop and Orchestra.

O projeto recebe jovens de todos os países árabes e de Israel, que se juntam para formar uma orquestra sinfônica. "A 7.ª Sinfonia de Beethoven é inofensiva. Mas a 7.ª Sinfonia tocada por um oboísta egípcio em Israel é subversiva", disse Said.

A viúva do pensador, a libanesa Marian Said, esteve em São Paulo na semana passada para encerrar o seminário Antídoto – Ações Culturais em Zonas de Conflito, promovido pelo Itaú Cultural e o Grupo Cultural AfroReggae. Marian falou dos desafios enfrentados pelo projeto do marido frente ao conflito entre israelenses e palestinos, que sofreu uma forte escalada neste ano. "Depois dos bombardeios de Israel, deixamos de receber a visita de alunos do Líbano e da Síria. A turma era composta predominantemente por israelenses. O maestro Barenboim fez uma carta que todos os integrantes deveriam dirigir ao público, mas houve resistência. Acho que tivemos sucesso ao final", conta.

A experiência da orquestra demonstra que o diálogo promovido em função de um valor universal como a música aproxima as pessoas, independentemente de suas origens, ampliando a compreensão do mundo. "Nós não temos uma agenda política. O nosso trabalho fez mais para aproximar os árabes de judeus em torno da música. Beneficiou mais que muitas decisões políticas", diz Marian.

O contexto em que a Rádio B92 tornou-se porta de entrada do grunge e do rap na antiga Iugoslávia, no início dos anos 90, também teve significação política. Dedicando cerca de 30% de sua programação para jornalismo e 70% para música, colocando no ar Clash, Sonic Youth e Public Enemy, a emissora tomou o caminho da subversão. "Naquelas condições de nacionalismo crescente, qualquer atitude normal já era automaticamente subversiva" lembra Veran Matic, diretor-fundador da B92, que também esteve nos seminários em São Paulo. Já pesquisadores como Haidy Duque, da Colômbia, e Shai Schwartz, de Israel, deram atenção peculiar ao papel do desenvolvimento dos indivíduos em zonas de conflito.

No entanto, o compromisso com as causas reformadoras, frente a um mundo em que ações culturais são quase sempre vinculadas ao capital de grandes empresas ou estados, constituiu um tema recorrente na fala do convidados do seminário Antídoto.

Celso Athayde, produtor do polêmico documentário Falcão – Meninos do Tráfico, falou do relacionamento entre a equipe e a Rede Globo, que exibiu o filme no dominical Fantástico. "Nós pensa-mos muito e vimos que pela Globo o filme atingiria o maior número de pessoas. Também acertamos que toda a responsabilidade seria nossa", revela Athayde, que hoje enfrenta três processos na justiça graças ao trabalho. A produção é acusada de fazer apologia ao tráfico de drogas e ao crime por mostrar depoimentos de crianças e adolescentes de diversas capitais brasileiras. "É preciso muito cuidado para não ser explorado por gente que oferece ajuda e acaba te utilizando para, de repente, beneficiar a marca", continua.

A B92, por sua vez, recebia dinheiro do especulador e investidor financeiro George Soros, além de outras organizações humanitárias internacionais, para combater o regime político de Slobodan Milosevic na Sérvia. Hoje, destinado à sobrevivência no mercado, o grupo B92 forma um grupo de comunicação que promove, por exemplo, a versão sérvia do Big Brother. "Vimos que apenas dessa maneira poderíamos manter um jornalismo forte e independente. E mesmo dentro do programa buscamos maneiras de fazer subversão, colocando sérvios, croatas e bósnios na casa", afirma Matic.

Já a West-Eastern Divan Workshop and Orchestra teve a sobrevivência garantida graças ao governo espanhol.

O repórter viajou a convite do Itaú Cultural.

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