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Capa da edição americana de “O Reino do Amanhã”: fábula moral | DC Comics/ Divulgação
Capa da edição americana de “O Reino do Amanhã”: fábula moral| Foto: DC Comics/ Divulgação

Vinte anos atrás, a DC Comics olhou para dez anos no futuro e descobriu uma distopia sombria que se tornaria um instantâneo clássico de super-herói.

“O Reino do Amanhã”, uma minissérie em quatro partes escrita por Mark Waid e lindamente ilustrada por Alex Ross lá em 1996, perguntou o que acontece quando a próxima geração de super-heróis não vive à altura dos padrões estabelecidos por seus predecessores, e quais as consequências desse fracasso. A história, que sugere dias sombrios sem finais felizes, permanece uma das grandes realizações da DC Comics.

Conforme a DC dá um reboot mais uma vez em seus quadrinhos de super-heróis com a atual série “Renascimento”, “O Reino do Amanhã” mostra como a grandeza pode vir do ato de reimaginar seu universo.

Fábula moral

Na história futurista, que Waid considera uma “fábula moral”, o Super-Homem está ficando grisalho e deu as costas à humanidade depois da morte de Lois Lane. Batman está tão velho e quebrado por conta de uma vida de mortal em combate ao crime que se tornou mais máquina do que homem, confiando na tecnologia para continuar a lutar. Uma Mulher Maravilha não afetada pela idade precisa ser a voz da razão. Um Capitão Marvel adulto fracassa em equilibrar a responsabilidade de ser tanto um homem quanto um deus e se torna vítima daqueles que o querem usar como uma arma.

Waid recebeu a incumbência de arquitetar os diálogos de “O Reino do Amanhã”, mas Ross ajudou a montar os principais pontos da trama em reuniões de pré-produção na DC Comics. Quando Waid viu pela primeira vez os planos iniciais que Ross tinha esboçado, “vi que ele tocara uma nota que ressoava comigo”, diz Waid.

Há certos imperativos morais que são eternos, a maioria deles resumidos na forma de um homem de Krypton.

Mark Waid roteirista

Os anos 90 foram uma época em que se esperava que os heróis de histórias em quadrinhos fossem mais sombrios e extremos do que aqueles que tinham vindo antes deles, e o plano de Ross era “uma rejeição da cínica e agressiva revolução de super-heróis dos anos 90”, diz Waid. “Ambos sentíamos e, tenho certeza, ainda sentimos, que há certos imperativos morais que são eternos, a maioria deles resumidos na forma de um homem de Krypton.”

Discussões aos berros sobre o Caçador de Marte

Sobre trabalhar com Ross em “O Reino do Amanhã”, Waid acrescenta: “foi diferente de qualquer experiência de colaboração porque foi tão carregada de emoção e paixão.”

Os dois nem sempre concordavam sobre pontos da trama, ambos por vezes teimosamente apaixonados a respeito dos heróis da DC e de como eles deveriam ser retratados. Ross diz que trabalhar com Waid em “O Reino do Amanhã” era por vezes o embate de duas mentes enciclopédicas no que diz respeito à história do universo da DC Comics. Waid brinca que ele e Ross eram as únicas pessoas no ramo que entrariam em uma discussão aos berros sobre o Caçador de Marte. Ambos sentem que o fato de terem transigido quando em desacordo resultou na melhor história possível.

“Éramos uma combinação difícil à época, e ambos tínhamos fortes visões pessoais sobre como interpretar nosso amor pelos personagens da DC em uma espécie de história combativa”, diz Ross. “Mark e eu não nos conhecíamos antes, mas tivemos de trabalhar sincronizados. Por sorte, parece que esse trabalho se beneficiou dessa tensão uma vez que se fala nele até hoje.”

Ninguém jamais havia mostrado o universo DC da maneira como Alex o fez, misturando realismo fotográfico com um estilo bombástico

Mark Waid roteirista

Muitos fãs de histórias em quadrinhos descobriram o estilo único de Ross ao ler “O Reino do Amanhã”. “Uma enorme parte do apelo (...) foi que ninguém jamais havia mostrado o universo DC da maneira como Alex o fez, misturando realismo fotográfico com um estilo bombástico”, diz Waid. “Alex era um pintor visionário em um mundo de desenhos em linha. Seu trabalho ainda é tão poderoso, tão ousado, mas a maneira como abriu a porte para tantos outros contadores de histórias seguirem seus passos me sugere que sua influência ainda é tão intensa quanto foi na época.” A arte permitia que o leitor pensasse que aquilo é como super-heróis seriam no mundo real.

Além disso, ver o Super-Homem velho de Ross com o “S” que é sua marca registrada ressaltado em preto em vez de amarelo significava uma mudança de tom: o Super-Homem estava carregando sua raiva à mostra.

Ross diz: “a origem da maior parte do visual futurista que criei foi olhar para o passado dos diferentes personagens para deslocar o foco de algum elemento, alterar o estilo do traje ou a maneira de desenhá-lo, como fiz com o Super-Homem, que é simplesmente uma recauchutada do original de Joe Shuster e da versão animada de Max Fleischer com a logo em preto.”

Reino do Amanhã - Edição Definitiva (capa dura)

Editora Panini

Roteiro: Mark Waid

Arte: Alex Ross

Preço: R$ 89

Um dos maiores momentos em “O Reino do Amanhã” é uma batalha aberta no fim que traz um embate entre um Super-Homem mais velho e um Capitão Marvel em seu auge. O momento produziu uma incrível página de arte por Ross que traz o Capitão Marvel se elevando imponente por sobre o Super-Homem com um sorriso que sugere que ele sabe que o Homem de Aço não é páreo para si.

É um momento que quase não aconteceu, de acordo com Waid.

“Em nossas conversas originais, o Capitão Marvel não era nada mais que um personagem secundário”, diz Waid. “Só depois que percebemos que ele era o perfeito fulcro para simbolizar o laço entre humanidade e super-humanidade é que ele se tornou um personagem chave, e graças a Deus, uma vez que a versão de Alex do ‘Grande Queijo Vermelho’ permanece a minha favorita desde os anos 40.”

Sombra de Hollywood

Ross diz que a razão por que “O Reino do Amanhã” ainda se destaca hoje em dia é que é uma grande graphic novel feita para ser só isso, uma grande graphic novel. Nada mais. Tal simplicidade não é mais possível no mundo DC, por causa do contínuo interesse de Hollywood em quadrinhos de super-heróis.

“A produção de filmes baseados em características dos quadrinhos não apenas lançou sombra sobre o que acontece no papel, mas parece influenciar e guiar mais imediatamente para onde a criatividade vai”, diz Ross.

“A autonomia do criador de fazer uma graphic novel ou uma série de quadrinhos ser especial por seus próprios méritos apenas naquele meio é agora sempre afetada por quanto parece ter um futuro como uma adaptação para o cinema ou para a TV. As empresas para que trabalhamos assim como as editoras de propriedade dos próprios criadores todas têm isso em mente como seu principal objetivo. Valorizar o trabalho singular que existe simplesmente para ser lido não ocorre.”

A produção de filmes baseados em características dos quadrinhos não apenas lançou sombra sobre o que acontece no papel, mas parece influenciar e guiar mais imediatamente para onde a criatividade vai

Alex Rossi desenhista

Vinte anos depois, os caminhos de Ross e Waid ainda se cruzam. Waid, conhecido mais recentemente por seus trabalhos com o Demolidor e com a Archie Comics, no momento está escrevendo Os Vingadores, uma série para a qual Ross fornece a arte de capa.

E seu olhar de meados dos anos 90 para o futuro da DC Comics permanece um projeto estimado e impactante.

Ross diz: “a satisfação de saber que o trabalho que fiz ressoou com leitores é realmente tudo que eu poderia querer.”

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