“Vocês vão querer me odiar por isso, mas quero que cada um faça o desenho de um rosto na folha.”
“Ihhhh”, murmuram e reclamam as alunas e alunos em volta da mesa. Uma delas sugere: “E se passássemos a mão no nosso rosto, e depois no rosto de outras pessoas?”. A professora brinca: “Mas é no rosto, tá bom gente?”.
Veja imagens da oficina de fotografia para deficientes visuais
Assim começa uma das aulas da oficina de fotografia para pessoas com deficiência visual, promovida pela Seção Braile da Biblioteca Pública do Paraná (BPP).
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Leia a matéria completaAté o final do ano, um grupo de dez pessoas que começou a oficina em abril vai aprender a fotografar com a artista visual Juliana Stein. Mas não é apenas a questão técnica que os interessa: a percepção e a discussão sobre imagem é central.
No toque dos rostos, cada um faz questão de lembrar suas características negativas, como o “nariz de batata” – algo que quem está tocando não percebe. Juliana lembra aos alunos: temos a mania de nos depreciar e é preciso que a gente se concentre nos pontos positivos.
Meu ponto de partida é deixar as coisas acontecerem. Gosto que seja uma experiência e, quando estamos abertos, ela acontece de fato. E é isso que dá um brilho na vida.
Aline passa as mãos pelo rosto de Carol: pele lisa, sem espinhas. Nariz arrebitado e orelhas com brincos. “Poucos cílios, quase não dá para perceber”, diz. “Ela é pequenininha, toda bonitinha!”
Quando Maurício, deficiente visual total, percebe o rosto de Isabel e também detecta um brinco, além do “cabelo grande”, outros colegas já zombam: “Mas o brinco é de ouro ou prata?”.
Para quem tem baixa visão, como a dupla Adriana e Antônio, o toque pode fazer diferença. “Às vezes, com a baixa visão, você se equivoca, e o toque é uma forma complementar de formar a imagem no cérebro”, explica Adri.
O desenho do rosto acaba esquecido no meio da empolgação da turma. Isabel, a pedido da professora, ajuda Maurício a desenhar a própria mão, contornando-a sobre um papel com lápis de cor – como fazíamos quando crianças.
Logo, entra na roda uma fotografia do rosto de Carol, que Juliana marcou fazendo pontilhados com uma agulha. “Não precisamos exatamente da visão para ver uma fotografia”, diz ela.
Cada um tem um objetivo com a oficina: de conseguir tirar fotos do próprio gato até conhecer melhor as técnicas de descrição.
É o caso de Carol, envolvida com audiodescrição e acessibilidade. “Às vezes, deixamos de ir ao museu ou ao cinema porque temos que depender de alguém o tempo todo. E esse alguém muitas vezes nos descreve tudo pela metade”, explica.
Aulas
A oficina de fotografia da Seção Braile da BPP começou em abril e segue até o fim do ano. A turma é formada por deficientes visuais parciais e totais.
Campeão de natação com 234 medalhas no currículo, Maurício quer fotografar a piscina.
A participativa Adriana fala: a foto é complicada para o deficiente visual. “Mas vimos que não é impossível. Temos que ir pelo sentimento, acima de tudo.”
Corretíssimo. Como salienta Juliana Stein: fotografia é invenção, não regra.
A artista conta que seu ponto de partida com a oficina é “deixar as coisas acontecerem”.
Dá certo.
Logo, alunos como Anastácio (que trabalha na Seção Braile da BPP), se apodera da câmera do fotógrafo Daniel Castellano, da Gazeta do Povo. Faz imagens de Juliana, do colega Antônio e de Daniel, que se impressiona com o bom enquadramento da foto.
O que acontece de fato na aula, diz Juliana, é uma aproximação de mundos. Afinal, ninguém ali vê como o outro.
“E esse é o mote do meu trabalho. O que importa é a experiência que estamos vivendo aqui nessas tardes, pensando e discutindo fotografia e imagem. Talvez o resultado de tudo isso demore, apareça só daqui a alguns anos. Por isso essa oficina dura quase um ano. É um processo”, explica.
Cada um dos alunos pega seus casacos e cachecóis para sair da sala na tarde fria e se despedem.
Juliana lembra que, agora, todos podem ficar felizes, pois estão de férias. Logo, um deles pragueja: “Férias pra quê?”.
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