Mantidas em casa e em estúdio como parte do cenário cotidiano e criadas com o intuito de autossatisfação e experimentação artística privada, as esculturas de Pablo Picasso atestam o desprendimento do artista que fundou o cubismo.
A primeira e maior exposição em 50 anos nos Estados Unidos, aberta nesta segunda-feira (14), no MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, revela um talento menos conhecido do pintor. Cerca de 140 obras realizadas ao longo de seis décadas e distribuídas por fases em nove galerias mostram como a produção cresceu física e simbolicamente.
A primeira peça, concluída quando Picasso tinha 20 anos, em Barcelona, “Seated Woman”, ou “mulher sentada” (1902), tem o tamanho de uma mão aberta: 14,5 cm de altura. Feita de argila no estúdio de outro artista, inauguraria uma produção inconstante, caracterizada por longos intervalos e picos profícuos.
A última, “Maquette for Richard J. Daley Center Sculpture”, de 1964, feita em aço, tem 1,04 metro de altura e se tornou cartão-postal da cidade americana de Chicago.
A reação da crítica vem corroborando a opinião da curadora de escultura e pintura do MoMA, Ann Temkin, segundo quem Picasso escultor é tão bom quanto pintor.
“A qualidade é a mesma. E das esculturas você ainda extrai um senso de experimentação radical. É claro que na pintura também, com os diferentes vocabulários, mas sempre obtidos por meio do pincel e da tinta. Nas esculturas, Picasso emprega novos materiais e inventa novas formas de construí-los o tempo todo”, observou, em conversa com a reportagem.
O que possivelmente favoreceu a liberdade de Picasso com as esculturas era a forma como as encarava. Se a pintura era o seu ganha-pão, técnica que ele estudou formalmente, a escultura era liberdade. Não tinha intuito de comercializá-las tampouco se esforçou para isso. Ao contrário.
A maior parte das peças ele manteve como “parte da família”, brinca a curadoria. Em 1957, o diretor-fundador do MoMA, Alfred Barr, chegou a “implorar” em carta para Picasso liberar algumas, em vão.
Quando Picasso morreu, em 1973, muitas esculturas passaram a integrar a coleção do Musée national Picasso-Paris, que emprestou 50 obras ao MoMA para a realização da mostra agora em cartaz.
O museu nova-iorquino adquiriu mais de 20 esculturas ao longo do tempo. Apenas 11 delas, porém, foram selecionadas para integrar a exibição. Segundo o diretor, Glenn Lowry, em um bate-papo sobre a retrospectiva, a escolha criteriosa teve o objetivo de “garantir o elenco certo”.
O muro que Picasso construiu em torno de seu tesouro privado acabará por dar-lhe sobrevida como um artista “contemporâneo”, opina a curadora do MoMA. “Os artistas sempre aprendem dos que vêm antes. Já que suas pinturas são tão conhecidas, talvez não haja muito mais a se aprender sobre Picasso [dessa perspectiva]. A exposição vai trazer aos artistas de hoje um nova coleção valiosa de informações com as quais poderão trabalhar”, afirmou Temkin.
O interesse de Picasso em usar materiais do cotidiano e experimentar dimensões do espaço dialoga com o que se tem feito, compara Temkin. “Está no ar.”
Essa observação diz respeito sobretudo à fase de maturidade de Picasso, que tratou o tema da paternidade e incorporou brinquedos dos filhos em obras como “Baboon and Young” (1951), em que a cabeça de um babuíno de bronze é feita com um carrinho.
Mas o desprendimento do artista se sobrepõe à especificidade de uma única fase e se revela em referências tão díspares quanto a arte clássica grega e a estética étnica da Oceania.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o inspiraria, em um período particularmente produtivo e sombrio, a contrabandear metais preciosos para a esculpir, por exemplo, “Death’s Head”, ou a “cabeça da morte”, um crânio em bronze de 1941.
A fase mais cubista (1912-1915), que consagrou peças como “Guitar” e as seis versões de “Glass of Absinthe”, bagunçou a cabeça da crítica à época, incapaz de enquadrar seus trabalhos nos moldes tradicionais - escultura ou pintura, exclusivamente. O que, certamente, voltou e volta a acontecer.
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