Uma das teorias que mais prosperam no fértil terreno das conspirações da internet é a de que o juiz federal Sérgio Moro tem pendores tucanos. Uma fotografia tirada nesta terça-feira (06) pelo profissional Jales Valquer, do jornal Estado de S. Paulo, realimentou a fogueira das histórias sem comprovação. Capturada na entrega do prêmio Brasileiros do Ano na Justiça, realizado pela revista Isto É, a imagem mostra o juiz aos risos, num aparente clima de intimidade, ao lado do senador mineiro Aécio Neves (PSDB). Foi o que bastou para seus detratores.
Qualquer um que utilizar a foto para tecer juízos sobre Moro estará ignorando o poder textual das imagens. Assim como um texto pode conter ironia, sarcasmo e significar mais do que as palavras que contém, uma imagem não pode ser interpretada apenas pelo “valor de face”. Aliás, é isso que separa os bons fotógrafos dos medíocres, assim como os bons escritores dos apenas esforçados.
Peter Burke, historiador inglês especialista em história das ideias e da cultura, já afirmou que “alguém que queira usar o testemunho das imagens precisa estudar os diferentes propósitos dos realizadores dessas imagens.”
O historiador brasileiro — e fotógrafo — Boris Kossoy vai mais longe. “As possibilidades do fotógrafo interferir na imagem – e portanto na configuração do assunto no contexto da realidade – existem desde a invenção da fotografia”.
O que ambos querem dizer é que uma foto jornalística não é a mesma coisa, logicamente, que um retrato 3x4. Há muito mais o que se considerar e levar em conta no primeiro caso. O sociólogo Dominique Wolton chama a atenção para o “contexto da história”, para o “público-alvo”, para o “imaginário” e para a “dimensão crítica” do receptor da imagem.
Subjetividade
Voltando à foto do Moro: o fotógrafo conhece o contexto das teorias sobre Moro, não está alheio a isso. Não se pode pensar apenas no aspecto técnico do profissional, como alguém desprovido de subjetividade, emoção e sensibilidade. Tudo isto está em jogo na hora do clique. É por isso que a foto conseguiu o impacto que teve. Sérgio Moro, atualmente o centro das atenções da República, ao lado de um senador já citado em delações de empreiteiros, sorrindo. Problemático, não?
Não. Dilma e Aécio, no dia do impeachment da ex-presidente, foram “flagrados” na mesma situação no Senado. Quer dizer que Dilma é tucana?
A foto tem o poder de congelar um momento para a eternidade. Tanto Dilma quanto Moro podem ter apenas feito um breve comentário que, ao ser espertamente registrado pelos fotógrafos, ficaram gravados para a posteridade fora do contexto original.
“Olhar inocente”
Burke acerta quando diz que “é imprudente atribuir aos fotógrafos um ‘olhar inocente’ no sentido de um olhar que seja totalmente objetivo, livre de expectativas ou preconceitos de qualquer tipo. Tanto literalmente quanto metaforicamente, esses esboços [...] registram ‘um ponto de vista’.”
É preciso admitir que ninguém olha para nada livre de qualquer tipo de pré-julgamento ou visão de mundo pré-estabelecida. O fotógrafo é alguém que tem seus valores culturais e compõe a imagem de acordo com suas crenças e vivências. Tudo na imagem reflete isso: enquadramento, hierarquia, tomada, contraste e tonalidades que convergem para no fim criar uma narrativa única.
O que não se pode negar é que se trata de uma grande foto. Mas o fotógrafo é um intermediário. Diante de todo o contexto, do espírito crítico e dos fatos, o leitor tem todos os elementos para fazer uma análise mais do que desapaixonada.
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