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Mc Guimê: música “País do Futebol” como trilha de abertura de novela “Geração Brasil”, da TV Globo, mostra assimilação paulatina do funk | João Januário/Tv Globo
Mc Guimê: música “País do Futebol” como trilha de abertura de novela “Geração Brasil”, da TV Globo, mostra assimilação paulatina do funk| Foto: João Januário/Tv Globo

A sociedade ficou chocada. Um bando de pretensos artistas rompeu com o que todos acreditavam que era de bom gosto e passou a se dedicar a temas considerados vulgares, pouco elevados, indignos. Como consequência, ninguém os levava a sério. Eram repudiados e ridicularizados.

Podíamos estar falando dos funkeiros. Mas, não, estamos falando de artistas como Monet, Degas e Renoir, hoje indiscutivelmente considerados mestres da pintura, arte mais do que respeitável.

Quando iniciaram o movimento impressionista, suas pinceladas rápidas eram, porém, tidas como toscas, imprecisas, pouco refinadas. Os temas pintados por eles — assim como as músicas que descem o morro no ritmo do batidão — eram “vulgares”, pois em vez de retratar cenas clássicas, santos e deuses gregos mostravam pessoas fazendo coisas ordinárias: bebendo, em piqueniques, andando. Um escândalo.

Qualquer semelhança com a ascensão funk no Brasil não é coincidência.

Desde meados de 1970, bailes organizados por equipes de som em que um DJ que animava a pista ao som da black music. Mais do que festas, eram eventos de conscientização do movimento negro.

Em 1987, o antropólogo Hermano Vianna apresentou trabalho acadêmico (que virou o livro “O Mundo Funk Carioca”), o primeiro texto de pesquisadores de peso fascinados com o fenômeno.

Mas desde sua gênese até a sua forma atual, o funk foi alvo de críticas.

Por ser um fenômeno popular, não faltam detratores.

Processo parecido ocorreu com o samba no início do século 20. Criado por descendentes de escravos em bairros pobres, o samba foi combatido pelo Estado. Hoje é um dos maiores símbolos nacionais.

Um dos argumentos mais usuais contra o funk é sua associação com a pornografia das letras. De acordo com Helga Gahyva, professora de sociologia da UFRJ, as letras estão associadas ao “realismo grotesco”. “É uma forma de dizer verdades sobre o mundo sob o disfarce do riso”.

Outro estigma é a relação com a violência. O funk seria a trilha sonora do crime organizado. Desonra nascida em 1992 quando os grandes arrastões no Rio ficaram na conta das “galeras funk”.

O ex-ministro da Cultura Juca Ferreira se posicionou sobre isso em um debate na Biblioteca Mário de Andrade em São Paulo, há dois anos. “O traficante está presente [no funk], porque é uma parte da sociedade e uma parte do território que o Estado deixou ao deus-dará. Criminalizar quem vive perto, com um nível de desproteção razoável, me parece que é acrescentar um erro em cima do outro”.

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A despeito disso, o gênero só vem crescendo nas últimas décadas, pelas mãos de uma geração de jovens que conseguem criar sucessos sem a ajuda do mercado e com tecnologias baratas.

Uma rápida pesquisa no YouTube (atualmente o termômetro mais fiel da popularidade musical) mostra quem são os campeões de audiência. Mesmo em Curitiba há uma cena consolidada, com estrelas como MC Mayara.

Quanto ao suposto mau gosto da música, a quem cabe julgá-lo? Ao estado ou uma junta de artistas ou organizações de classe dariam uma carimbo do que pode e o que não pode? Na história da humanidade, sempre deu errado. Sob o discurso do bom gosto, quase sempre há um esforço conservador da sociedade.

Mesmo por que o funk já está em processo de assimilação. A aproximação de Caetano Veloso, que comparou o funk ao movimento tropicalista, é um alerta.

Autor do livro “101 Funks Que Você Tem Que Ouvir Antes de Morrer”, o escritor Julio Ludemir disse em entrevista o jornal “O Globo” que é preciso cuidado para que a história não se repita. “O samba foi apropriado pelas elites e, atualmente, exclui os próprios criadores. Hoje, o samba está na Lapa, mas não está na favela. Por enquanto, as comunidades ainda são funkeiras.”

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