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| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Raízes

Em nome do pai

Ulisses Galetto, oficialmente, se chama Ulisses Quadros Moraes. Galetto é um sobrenome por parte do pai, Levy. Mas Ulisses não foi registrado com sobrenome Galetto. Ele decidiu usá-lo como homenagem ao pai, para quem dedica o primeiro livro, A Modernidade em Construção, editado em São Paulo, pela Annablume (204 páginas, R$ 30). Ulisses admira muito o pai, que tem 79 anos, um músico que ainda se apresenta nos Campos Gerais à frente de uma banda de baile. Com Levy, guitarrista e contrabaixista, Ulisses aprendeu a tocar violão e contrabaixo. Também foi pela influência paterna que se tornou leitor.

Ulisses Quadros de Moraes também é, em nome do pai, Ulisses Galetto.

Executivos, empresários e consultores que enfrentam dificuldades em gerenciar o tempo poderiam procurar Ulisses Galetto. Ele construiu a sua trajetória, também, entre um e outro compromisso. Há alguns anos, paga as contas fazendo pós-produção, ou desenho de som, para cinema. "Tudo o que se escuta em um filme fora os diálogos, como vento, passarinhos e trovoadas, é desenho de som, e é isso que eu faço", explica.

No momento, está envolvido com o desenho de som de Curi­­tiba Zero Grau, longa-metragem de Elói Pires Ferreira. An­­te­­riormente, havia trabalhado com Pires em O Sal da Terra.

Galetto adiou um compromisso em sua agenda para conceder entrevista à Gazeta do Povo. Na quarta-feira da semana passada, ele falou durante 120 minutos sobre alguns aspectos de sua vida.

Antes de começar o bate-papo, abriu os braços e, em um estúdio localizado no Alto da XV, com ampla vista para o Centro de Curitiba, ele afirmou: "Esta cidade me deu tudo. Sou muito grato a Curitiba e aos curitibanos".

O nome Ulisses Galetto costuma ser relacionado, em um primeiro momento, ao grupo Fato, que existe há 16 anos, com centenas de apresentações pelo país e cinco álbuns no currículo.

Galetto é o contrabaixista e porta-voz da banda que inseriu o fandango (expressão cultural presente na faixa litorânea do Paraná) em um caldeirão sonoro e rítmico onde parece haver espaço para tudo, menos para o lugar-comum.

O Fato é, reparando com atenção, bem mais do que "apenas" uma banda. Basta ler no encarte do álbum mais recente, Musi­­caprageada, de 2006, o nome dos autores de algumas das canções: Thadeu Wojciechowski, Luiz Felipe Leprevost, Neuza Pi­­nhei­­ro, Ricardo Carvalho, Mar­­celo Sandmann e outros.

O Fato procura dar voz a poetas não tão óbvios. "O Brasil, afinal, não é apenas a música do nordeste, a dicção carioca ou paulista, nem somente o estranhamento gaúcho ou o charme mineiro. O Brasil, ora direis, é muito mais", diz o instrumentista e compositor.

Galetto fala com voz baixa, para dentro, "como se houvesse um quintal", definiria o poeta Fabrício Carpinejar.

Ele nasceu em Castro, na região dos Campos Gerais, chegou em Curitiba em 1990 e se considera um curitibano. Faixa-preta em karatê, respeita até o oponente desconhecido. Mas, quando escuta determinadas frases, formadas por chavões e equívocos, costuma bater as tamancas. Sim, as tamancas, os instrumentos rítmicos dos fandangueiros.

Dia desses, céu nublado, temperatura por volta dos 20ºC, Galetto dirigia o seu carro pelo Centro Cívico, o rádio estava ligado e uma locutora disse: "Eis um dia tipicamente curitibano".

Ele freou. Quase provocou um acidente. "Afinal, quem disse que garoa e céu cinza é necessariamente sinônimo de Curi­­tiba? Há quem diga que faz mais céu azul com sol do que frio e céu cinzento por aqui", diz. Em se­­gundos, engatou uma primeira, desligou o rádio e ligou, no CD player, um curso de inglês.

Galetto aproveita as brechas do dia-a-dia para aprender e, acima de tudo, empreender.

Ele sorri, dá um suspiro e mostra, sem disfarçar a satisfação, o seu primeiro livro. A Modernidade em Construção é, na realidade, uma adaptação da dissertação de mestrado, do curso de História, que ele defendeu na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Galetto pesquisou as políticas públicas e a produção de música popular em Curitiba entre 1971 e 1983. A conclusão dele é a se­­guinte: em pouco mais de uma década, a cidade recebeu uma série de equipamentos culturais relevantes, como os simbólicos Teatro Paiol, o Centro de Cria­tividade e a Cinemateca.

O mestre em História faz um elogio a Jaime Lerner, prefeito de Curitiba entre 1971 e 1975 e de 1979 a 1983, período que ele estudou.

Os aplausos foram questionados por alguns amigos.

Galetto é um conhecido militante do PT. Ele é petista, hoje um pouco afastado da militância, mas coerente e capaz de dar vivas ao herói do outro lado da trincheira, sobretudo se o sujeito em questão for o responsável pelos espaços que, décadas depois de construídos, ainda viabilizam manifestações culturais na cidade.

Dormir mais que cinco horas por dia é um luxo que Galetto não se dá.

Ele acorda antes da luz do sol aparecer e lê, durante 100 minutos, os textos que darão a sustentação teórica à sua tese de doutorado, projeto em que analisa o impacto das leis de incentivo.

O relógio não para e ele lembra que também produz, em parceria com Grace Torres, o programa Fora do Eixo, veiculado pelas rádios FM Paraná Educativa e UEL.

Os ponteiros do relógio, no entanto, precisam parar, pelo menos uma vez por semana, para que ele e a sua companheira, a atriz Michele Pucci, brindem ao destino, ao inesperado, à pluralidade e a tudo que possa vir a dar certo. Tintim.

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