Artistas e produtores culturais de Curitiba começaram a procurar a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) desde a semana passada para regularizar a sua situação. No dia 15, a Gazeta do Povo divulgou que a FCC, órgão da prefeitura responsável pela área de cultura, estava enviando 95 projetos beneficiados pela Lei de Incentivo à Cultura para a Procuradoria-Geral do Município. Tratam-se de casos em que os responsáveis pela realização da proposta ainda não prestaram contas do dinheiro empregado. A procuradoria está preparando ações judiciais para obter os documentos, que servem para comprovar o bom uso do dinheiro público.
Para o presidente da fundação, Paulino Viapiana, o fato de a divulgação da lista ter gerado movimentação é positivo. "Precisamos desses documentos e é interessante que várias pessoas já tenham nos procurado para resolver essa situação", diz. Segundo Viapiana, que assumiu o cargo no início do ano, a intenção da prefeitura não é causar um confronto com a classe artística. "Essa é uma obrigação que me cabe, é parte da rotina de trabalho em uma instituição como a nossa", afirma ele. Viapiana explica que ele próprio precisa prestar contas do uso do dinheiro ao Tribunal de Contas do Estado. Se não tiver os papéis, a FCC responderá, juntamente com os artistas e produtores, a processos administrativos.
A divulgação da resolução de Viapiana de levar o caso à Justiça e a reportagem que mostrava a lista de empreendedores inadimplentes foi motivo de revolta para alguns dos mencionados, consideraram injusta a publicação de seus nomes por acreditar que isso fere sua reputação indevidamente.
A Fundação Cultural defende sua posição e afirma que a lista mostra projetos que estão com problemas meramente burocráticos. A ausência dos documentos não é, por si só, prova de qualquer tipo de mau uso do dinheiro. Mas a falta dos papéis impede que os órgãos públicos possam ter certeza sobre a aplicação adequada dos recursos.
Divisão
A decisão da fundação de processar quem está devendo os documentos causou uma divisão entre os artistas. O diretor de teatro Marcelo Marchioro não aparece na lista. Mesmo assim, saiu em defesa dos colegas. Ele diz que a prefeitura deve cobrar os documentos. "Mas isso não pode ser feito dessa maneira repressiva", afirma. Marchioro conta que nunca teve problemas para cumprir prazos de prestação de contas quando usou verbas da Lei de Incentivo. Porém, acredita que, às vezes, um entrave burocrático ou uma outra dificuldade podem dificultar a obtenção dos documentos, sem que haja má-fé. Além disso, a demora na aprovação de um projeto pode fazer com que um orçamento fique defasado. Assim, o autor da proposta precisa ir atrás de mais dinheiro o que atrasa todas as etapas do processo.
Para a artista plástica Jussara Age, a fundação tem prazos curtos para a apresentação dos documentos. Jussara tem o catálogo de suas obras na lista dos inadimplentes. Seu atraso é resultado de um problema bem específico: a artista ficou doente logo depois de ter seu projeto aprovado. "Estou há um ano e meio afastada de todas as minhas atividades e só agora posso voltar a trabalhar", conta.
Cobrança
Para Ulisses Galetto, músico do grupo Fato e integrante do Fórum das Entidades Culturais, o presidente da fundação acertou ao fazer a cobrança. "A aplicação de dinheiro público em cultura é legítima, mas é preciso que os artistas cumpram com o que é pedido e prestem contas de como gastaram aqueles recursos. Esse é um elemento fundamental para que a lei de incentivo seja bem usada", afirma. O Grupo Fato já usou a lei de incentivo seis vezes, segundo o músico. Prestou contas em todas, exceto pelo último projeto, que ainda está em curso.
A atriz Yara Sarmento, vice-presidente do Sindicato dos Técnicos e Artistas, o Sated, concorda e diz que a falta de prestação de contas põe em risco o auxílio estatal que já foi conseguido na cidade. "Se as empresas não sabem como está sendo gasto o dinheiro, podem perder o interesse em financiar os projetos", opina ela, que participa do processo de revisão da lei municipal de incentivo.
Dois lados
Leia quais são os principais argumentos da Fundação Cultural de Curitiba para cobrar a prestação de contas:
* O dinheiro é público, já que é obtido com renúncia fiscal. Ou seja: as empresas deixam de pagar até 2% do que devem ao município em impostos para dar a verba para a produção cultural;
* A prestação de contas é fundamental para que o poder público possa acompanhar os procedimentos e fiscalizar se tudo foi feito dentro da lei;
* Trata-se de uma regra pré-determinada, que os artistas já conhecem no momento em que participam da seleção;
* Caso não faça a cobrança, a Fundação Cultural de Curitiba pode responder a processo administrativo no Tribunal de Contas do Estado.
* Os prazos para captação de verbas, realização do produto e entrega dos documentos são apresentados aos realizadores logo no início do processo.
Leia quais são os argumentos dos artistas para justificar os atrasos na prestação de contas do dinheiro obtido:
* Os prazos oferecidos pela Fundação Cultural de Curitiba para a realização do projeto e a prestação de contas são curtos demais;
* Às vezes, algum pequeno entrave burocrático atrasa toda a prestação de contas; alguns artistas reclamaram que devem apenas um documento e, mesmo assim, foram incluídos na lista;
* Os artistas dizem que muitas vezes o projeto demora três anos para ser aprovado. No meio do caminho, o orçamento fica defasado. A busca de mais recursos atrasaria o projeto;
* A principal prova de que o dinheiro foi bem usado é o próprio produto apresentado;
* Outros concursos e editais do mesmo gênero não se preocupam com a prestação de contas dos projetos apresentados.
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