Dizem que é difícil encontrar um homem que não se importe de bancar a mãe de vez em quando, ficando o filho para a mulher ganhar uma folga. Ou mesmo para dividir as responsabilidades da família. Existem exceções que confirmam a regra, mas a situação hoje é, basicamente, essa. Certo.

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Agora imagine um homem do século 19 nessa situação maternal. Pior. Faça esse homem ser escritor. Pois essa figura, que parece um personagem de ficção, existiu. Nathaniel Hawthorne (1804 – 1864), um dos fundadores da literatura americana, encarou a prova de ficar sozinho com o filho por 20 dias, enquanto a mulher Sofia viajava com as duas meninas, uma mais velha e outra mais nova que o menino. A aventura familiar foi documentada em um diário de 28 de julho a 16 de agosto de 1851 e virou Vinte Dias com Julian & Coelhinho, por Papai (Tradução de Sônia Coutinho. José Olympio Editora, 126 págs., R$ 25).

O livro é um achado, assim como os outros títulos da coleção Sabor Literário, da qual faz parte (veja quadro), e vem com bônus nada desprezível: uma apresentação feita por Paul Auster. Admirador confesso de Hawthorne, o autor de Trilogia de Nova York já escreveu e editou obras ligadas à literatura e à poesia francesas. Com Vinte Dias..., ele faz um texto mais ou menos burocrático e seco. Enquanto a prosa de Hawthorne é pontuada por momentos hilários. Talvez o assunto seja delicado para Auster, que tem uma relação conturbada com seu primeiro filho, Daniel, que aparece com três anos em A Invenção da Solidão e hoje é um jovem problemático de 20 e tantos anos.

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A obra mais conhecida de Hawthorne talvez seja o romance A Letra Escarlate, adaptada ao cinema sete vezes – o versão mais recente, de 1995, com Demi Moore e Gary Oldman. Autor também de O Fauno de Mármore e A Casa das Sete Torres, ele foi um contista excepcional e não se pode falar de conto americano sem passar por "Twice-Told Tales" ("Fábulas Contadas Duas Vezes"). Seu nome figura ao lado de outras figuras basilares: Mark Twain, Henry James e Herman Melville (de quem era amigo pessoal).

O escritor de narrativas curtas, habituado a não se enrolar em longas descrições ou levar 50 páginas para construir determinada ação, aparece em Vinte Dias... No dia 30 de julho, uma quarta-feira, ele escreve "Levantei-me não muito antes das sete. Uma manhã fria e soturna, com um vento creio que sudeste, ameaçando chuva. Julian vagueia de um lado para outro, deita-se no chão e parece, em certa medida, reagir ao clima. Confio que não seremos visitados com uma longa tempestade."

Hawthorne chama o filho de "nosso homenzinho" e "querido cavalheiro", e não evita escrever sobre o quanto o filho, às vezes, o incomoda e sufoca qualquer disposição para o trabalho. "Ele continua a me atormentar com suas inquirições." Julian parece incapaz de formular uma frase que não termine em interrogação e, tão logo a mãe deixa a casa levando consigo o bebê, ele festeja a possibilidade de gritar o quanto quiser e fazer todo o barulho que puder.

Em um dos trechos mais engraçados, Hawthorne descreve como o filho fica envolvido pela brincadeira com um canivete sem fio, dando tempo para o pai descansar. "Por duas vezes, cobriu inteiramente com lascas de madeira o chão do boudoir, e encontra nisso um divertimento tão inesgotável que acho que seria um preço pequeno a pagar a perda de um ou dois dos seus dedos.

Embora não estivesse sozinho por completo com o filho – havia uma cozinheira e o coelhinho de estimação do filho, chamado Patas Traseiras –, Hawthorne colocava o garoto para dormir, dava as refeições, brincava com ele e ainda administrava contratempos (que incluíam limpar o cocô que surpreendeu todos durante uma visita a uma comunidade shaker, de religiosos protestantes).

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Não bastasse as situações pitorescas vividas por pai e filho, a dupla convivem com ninguém mais ninguém menos que Melville (autor de Moby Dick que mais tarde escreveu uma carta carinhosa ao menino) e Henry James (de A Volta do Parafuso).