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Na última sexta-feira, dia 28, Tim Maia teria completado 70 anos. A data também foi marcada pelo lançamento da compilacão Nobody Can Live Forever: The Existential Soul of Tim Maia pelo selo Luaka Bop, que tem como cofundador o ex-Talking Heads David Byrne.

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Loja de brasileiro vira ponto oficial dos "festejos" em Nova York

A loja de discos Tropicalia in Furs, do paulista Joel Stones, é um dos pontos oficiais das comemorações pelo aniversário de nascimento de Tim Maia. Apesar de pequeno, o estabelecimento é o maior centro da música brasileira no exterior, pelo menos extraoficialmente, e reúne uma legião de viajantes e amantes da música do mundo inteiro que parecem para comprar e aprender sobre discos brasileiros. Muitas vezes assistem a pocket-shows e batem longos papos com Joel, que é conhecido pela boa hospitalidade além de oferecer uma grande coleção de sons brasileiros, funk, soul e rock psicodélico, sempre em vinil. "A loja não existiria sem o Tim Maia e acho que o Tim Maia até então não existiria em Nova York sem a loja, pois eu já vendi milhares de discos dele por aqui, estou vendendo discos do Tim Maia já há doze anos", conta. "Ninguém é igual a ele, tentam, mas nunca vão conseguir atingir aquela loucura que ele fazia, aquelas guitarras fritando".

A influência de Tim sobre os jovens músicos

"O Tim Maia veio estudar o som americano, beber da fonte, chegar mais perto do Little Richards", resume Sergio Sayeg – mais conhecido em Nova York como Sessa –, um jovem músico brasileiro que mora, entre idas e vindas, já há cinco anos nos Estados Unidos. "Ele conseguiu, aprendeu o que podia e criou em cima da sonoridade americana, soa esquisito ainda para os americanos por ser muito próximo talvez à música deles, mas depois eles começam a sentir as nuances da sonoridade dele, que tem também muitos ritmos brasileiros como bossa nova e baião, e curtem muito é claro". Quais canções de Tim exercem mais influência? "Além do funk e soul, gosto das musicas ‘mela cueca’ dele, as românticas, mas o projeto da Luaka,Bop que coloca o Tim Maia entre outros lançamentos ligados a psicodelia, é sensacional".

Sessa começou sua história fazendo música nos Estados Unidos quando morava com seus pais em um bairro judeu perto de Coney Island, e conseguiu trazer sua banda de São Paulo, As Garotas Suecas, para tocar em alguns shows em Nova York. Logo conseguiram o que nenhuma banda de rock brasileira jamais conseguiu cantando em português nos EUA: audiência. Durante três anos fizeram várias tours pelo país tocando em grandes festivais e também em um circuito de clubes de rock de primeiro nível.

Fizeram vídeos, programas de TV e conquistaram fás e respeito no mercado. Depois disso, a banda voltou a se estabelecer em São Paulo (gravaram recentemente com Elza Soares) e Sessa ficou nos EUA, estudando música, tocando em vários projetos e trafegando pela cena musical do Brooklyn e de Manhattan – assim como Tim Maia, bebendo da fonte. O que mudou foi a fonte. "O que mais me prende aqui é estar perto de uma ferida aberta das constantes diásporas que passam por aqui", conta. "Ao lado da minha casa tem músicos de Nova Guiné tocando toda tarde, recém-chegados, ‘fresh off the boat’, como se diz aqui. Estar exposto a isto tudo é um privilegio para quem esta afim de estudar musica apaixonadamente e manter a cabeça aberta"

VÍDEO: Assista ao clipe de Sessa & The Trip

O ano é 1962 e o ainda adolescente Roger Bruno entra em uma festa em algum lugar em Tarrytown, um pequeno povoado no condado de Westchester, ao norte de Nova York, e se impressiona com o grupo que se apresenta em um canto da sala. Com dezesseis anos à época, Roger já cantava em alguns grupos de doo-wop e se destacava entre a garotada amadora que na época se amarrava em formar grupos deste estilo musical – formações com pequena ou quase nenhuma instrumentação e muita harmonia vocal, um estilo que se encarregou de entreter os adolescentes enquanto o rock-and-roll ainda estava para chegar. Roger tinha a ambição de se tornar um músico profissional e percebeu que o grupo, chamado The Ideals, estava em um nível acima dos grupelhos em que cantava. Em meio aos integrantes do The Ideals brilhava um garoto rechonchudo que mais tarde, após ter sido convidado a integrar o grupo, Roger iria conhecer como "Jim, the Brazilian", ou Tim. Durante os próximos anos iriam se tornar grandes amigos e também parceiros de grupo e composições.

O garoto era ninguém menos do que Tim Maia, que, sabe-se lá como, havia conseguido aos 17 anos imigrar para Nova York e por algum motivo estranho foi parar naquela pequena cidade. Roger e Tim viraram uma dupla inseparável, cantando, escutando música, indo atrás de garotas, cozinhando spaghetti e fumando um eventual baseado.

Após a entrada de Roger, o grupo tomou ainda mais impulso, conquistou fama e começou a se apresentar com frequência na região. Empilhado dentro de um carro, o grupo caía na estrada e fazia várias apresentações em uma só noite, como verdadeiros profissionais.

"Mesmo quando não estávamos ensaiando passávamos muito tempo juntos", conta Roger, hoje aos 68 anos, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, diretamente de Nova York. "Tim era um amigo e tanto, sempre disposto a fazer alguma coisa, nunca estava parado. Era também uma espécie de fora-da-lei, vivia entrando em problemas e algumas vezes eu precisei tirá-lo da cadeia."

Os crimes de Tim eram pequenos: pulava a catraca do trem para não pagar, roubava alguma coisa de um supermercado enfiando produtos no bolso e coisas do tipo, nada muito sério.

Sentar do lado de fora de uma igreja batista e ficar ouvindo os cantores de gospel que se apresentavam nas missas tomando sol na escadaria era um passatempo constante da dupla. "A gente também batia ponto, cantando, só por diversão, em uma candy store [loj a de doces e jornais] que funcionava também como banca de apostas clandestinas" – coisas daquela época em que a máfia italiana controlava muitas operações, inclusive na indústria da música. "O velho Matt, o dono da banca, nos deixava ficar por lá e ficava fumando seu charuto enquanto a gente cantava nos fundos. Life was good!"

Tim, no entanto, não era "apenas um observador" e logo instigou o amigo a explorar e expandir mais as possibilidades da música que estavam fazendo. "Ele era pontual e profissional, os ensaios rendiam muito por causa dele, trabalhávamos duro e ele sempre estava impecável, de gravata e com os sapatos brilhando. Não sei como ele vivia, ele dava um jeito." A motivação e a malandragem do jovem Tim foi bem utilizada para que os Ideals conseguissem seu único registro gravado no melhor estilo possível para aquele grupo de garotos. "Tim descobriu onde estavam hospedados os músicos brasileiros que vieram a Nova York para o concerto do Carnegie Hall [o famoso show que lançou a bossa nova definitivamente nos Estados Unidos e mudou para sempre a percepção da música brasileira pelos americanos] e nós fomos parar no quarto do baterista Milton Banana, que concordou em participar, junto com o baixista americano de jazz Don Payne, das gravações de uma demo tape." Gravaram "New Love" e "Go Ahead and Cry" com Tim tocando guitarra, letras de Tim e música de Roger. A demo acabou não dando os resultados esperados e, algum tempo depois, os dois amigos sofreram uma separação dramática.

Roger Bruno foi o grande amigo de Tim nesses dois anos em que o cantor viveu e experimentou a vida de um artista nômade, aquele que leva e traz influências e ideias em suas jornadas por diferentes territórios, trilhando caminhos imprevisíveis para sua arte e causando mudanças nos outros artistas que encontra pelo caminho. "Com Tim eu aprendi sobre bossa nova e logicamente sobre João Gilberto, ele era fanático por João."

Quem sabe o que teria acontecido com os The Ideals e com a carreira de Tim caso ele tivesse permanecido na América. "Após ficar alguns dias sem ouvir falar do meu amigo, recebi uma ligação dele me pedindo para ajudá-lo a sair da cadeia." Não havia o que o jovem Roger Bruno pudesse fazer, Tim havia viajado com uma outra turma para a Flórida e foi pego fumando maconha em um carro roubado. "Ele acabou deportado, pois, além de tudo, não tinha visto." No telefone, "Jim, the Brazilian" não escondeu sua mágoa com Roger. "Vou te pegar Roger, na próxima vez que te ver, eu te mato ‘man’!" Foi mais ou menos o que Roger ouviu do amigo na última vez em que se falaram.

Redescoberta

Quarenta anos depois, o jornalista Allen Thayer, com a missão de escrever um artigo para a revista Wax Poetics sobre a música black brasileira, começa a ouvir mais a fundo a obra de Tim Maia e, assistindo a um DVD, acabou encontrando uma breve menção do nosso grande soul man sobre suas experiências nos Estados Unidos, citando Tarrytown e os The Ideals na entrevista.

Curioso e disposto a descobrir se o grupo havia mesmo existido, Allen iniciou uma árdua pesquisa que acabou sendo resolvida com a ajuda de um blog chamado Soul Detective, que o auxiliou a descobrir o nome de um dos membros do grupo – Roger Bruno. Depois de um primeiro contato, Allen acabou encontrando e entrevistando Roger em uma viagem nostálgica até Tarrytown e narrou uma parte deste capítulo, até então nebuloso da vida de Tim Maia, em uma matéria exclusiva para a mesma Wax Poetics, em uma edição especial dedicada ao Brasil. O mais incrível da história é que Roger, depois de ter sido ameaçado por Tim naquele dia ao telefone, nunca mais havia ouvido falar do amigo e seguiu a vida guardando aquelas experiências apenas na memória. Roger ficou perplexo e conta ter passado muito tempo na internet, mais especificamente no YouTube, tentando entender tudo o que havia acontecido com "Jim, the Brazilian" e como este havia se tornado um pop star no Brasil depois de Allen tê-lo encontrado. "A deportação foi a melhor coisa que aconteceu para Tim. Fiquei, é claro, feliz com o que ele conquistou, mas ainda estou um pouco chocado, existe um culto a ele pelo mundo e muita gente tem me procurado", conta Roger, que como Tim, se tornou um profissional como sempre havia sonhado e construiu uma sólida carreira como compositor e arranjador, trabalhando ao lado de sua mulher, Ellen Schwartz. Algum tempo depois da descoberta sobre o passado de Tim e jantando com um casal de amigos chamados Paul e Sheila Smith, Roger ficou surpreso ao descobrir que estes mesmos amigos haviam passado uma temporada no Brasil nos anos 1970, conhecido Tim Maia em um hotel e participado das gravações de seu quarto álbum (de 1973), um dos mais celebrados de Tim Maia, cantando vocais de apoio para a faixa "Réu Confesso", na qual estão creditados, assim como… Roger Bruno. Em uma incrível coincidência, Roger descobriu que seu antigo amigo, no mesmo disco, havia gravado e também creditado Roger Bruno como coautor da bela faixa "New Love", que os The Ideals haviam feito no ano de 1963 durante a maluca temporada de Tim Maia na América.

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