Assistir a um filme de Eduardo Coutinho é, hoje em dia, de certa forma previsível. Sabe-se, de antemão, que a matéria-prima será a pessoalidade, materializada em relatos íntimos, orquestrados pela habilidosa condução do cineasta, que graças a seu método, que já se inicia na fase de pré-produção, com uma cautelosa escolha de personagens e minuciosas entrevistas realizadas antes da gravação. Mas, justamente por lidar mais com autonarrativas do que com fatos apurados, os documentários do diretor, aparentemente assemelhados, tomam rumos imprevisíveis. Alçam voos inesperados e surpreendentes.
As Canções, que começou a ser exibido anteontem na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, não foge a essa tradição, já presente nos premiados Santo Forte, Edifício Master e Jogo de Cena, todos apresentados em edições anteriores do evento paulista.
Neste novo filme, Coutinho partiu de uma proposta simples, mas instigante, capaz de provocar no espectador identificação: quis saber de seus 18 entrevistados, quais músicas brasileiras que marcaram as suas vidas. O número original de personagens era bem maior, 42. O cineasta queria ter material suficiente para conseguir costurar um longa-metragem a partir dos melhores depoimentos, gravados seguindo normas rígidas. Todos foram filmados sozinhos, sentados e sem o acompanhamento de instrumentos musicais.
Escolhida a canção de sua vida, o entrevistado poderia cantar para a câmera pelo menos duas vezes, para evitar que o pior acontecesse, e embora o depoimento fosse saboroso, não pudesse ser aproveitado porque o registro da música não tinha ficado bom.
Ao longo da projeção de As Canções, muito aplaudida pelos que lotavam o cinema do Unibanco Arteplex no Shopping Frei Caneca, ficou muito claro que o compositor favorito dos brasileiros é mesmo Roberto Carlos. Boa parte dos personagens escolheu músicas do Rei para falar de sua vida e cantar diante da câmera. Coutinho acabou optando por abrir o leque, e entraram em campo de Jorge Ben a Chico Buarque, passando por Nelson Gonçalves e Waldick Soriano.
Emoções
Com em torno de 90 minutos de duração, que poderiam ser duas horas, duas horas e meia, tamanha a comunicação que estabelece com a plateia, As Canções tem inúmeros pontos altos e emocionantes.
Há um ex-ladrão, morador de uma comunidade carente do Rio, que, ao escolher "Que Nega É Essa", de Jorge Ben, música que serviu de trilha para o tumultuado romance, cheio de idas e vindas, com a atual mulher e mãe de seus seis filhos.
Como contraponto, uma das personagens, uma mulher de classe média, mais intelectualizada, canta "Retrato em Branco e Preto", de Tom Jobim e Chico Buarque, que após mais 30 anos de convívio com o ex-marido, entre namoro, casamento e "rolo" pós-separação, admite que sempre foi a mais apaixonada, a que queria o relacionamento, e destaca o triste verso da canção: "Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seu caminho eu sei de cor". Quando se acenderam as luzes do cinema, percebi que essa personagem, que encerra o filme, estava sentada, com o filho, na fila em frente da minha. Ela chorava.
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