"Frankfurt é um bairro do Rio", escreveu o jornal Süddeutsche Zeitung, de Munique, na sua edição de 8 de outubro. A bem-humorada manchete não foi exagero do repórter de um dos periódicos de maior credibilidade da Alemanha. Para a 65ª edição da Feira de Livros de Frankfurt, que contou este ano com o Brasil como convidado de honra, os organizadores trataram de inundar não somente a cidade, mas todo o país europeu com a cultura brasileira.
Muitas polêmicas rodearam a participação do Brasil. Uma das primeiras foram as inúmeras reformulações no projeto, por parte de Itamaraty, Ministério da Cultura e Fundação Biblioteca Nacional.
Outra questão foram os atrasos nos processos licitatórios para contratação de serviços de hospedagem para a delegação, de produção executiva e de assessoria de comunicação, que foram abertos apenas três semanas antes da data de início da feira.
Megaevento mesmo. Inúmeros eventos culturais e literários relacionados ao Brasil permearam a Feira de Livros de Frankfurt, contabilizando um total de 650 até janeiro de 2014. A comitiva de autores brasileiros em Frankfurt computou 70 escritores, que também participaram ou participarão de outros eventos literários no país, como a Feira do Livro de Leipzig, a Feira Literária Internacional de Colônia ou o Festival de Literatura de Berlim. Segundo Manuel da Costa Pinto, um dos curadores e responsáveis pela comitiva brasileira, o número total de escritores, contando todos os eventos, ultrapassa 90 autores.
Os números impressionam. Mais de 150 editoras brasileiras dividiram um estande coletivo de 700m². O Brasil contou ainda com um enorme pavilhão de 2.500m², encenado por Daniela Thomas e Felipe Tassara. As estimativas são de que quase 60 mil pessoas tenham passado pelo Pavilhão Brasileiro. Frankfurt tornou-se, também, pano de fundo para exposições, shows e intervenções de artistas brasileiros, começando com as apresentações de Lenine e DJ Criolo no final de agosto, uma exposição com obras de Hélio Oiticica e interpretações artísticas desenvolvidas especialmente para o evento. No total, quase R$ 19 milhões foram investidos na participação do Brasil na feira.
Controvérsias
"Pano pra manga" gerou a ausência de Paulo Coelho. Ausência física, diga-se de passagem, já que o rosto do escritor estampava faixas nas ruas assim como micro-ônibus que circulavam nos espaços abertos do enorme Centro de Convenções de Frankfurt. A ausência do escritor, que desmarcou sua participação por discordar da seleção de escritores da delegação brasileira, foi sentida pelo público alemão. A enfermeira Antje Breves viajou de Koblenz para Frankfurt para visitar o pavilhão brasileiro no sábado. Paulo Coelho era o único escritor brasileiro que ela poderia citar "sem pestanejar". "Eu já li dois livros dele e acho uma pena que ele não esteja aqui", disse à Gazeta do Povo.
Entre os autores, houve quem afirmasse que os esbravejos de Paulo Coelho nada mais fossem do que uma crise de ego ferido. É o caso da curitibana Alice Ruiz, que acredita que o motivo central do aborrecimento do autor seja o "fato de não ter sido chamado para fazer a curadoria." Alice que participou de uma leitura de poemas com o poeta Paulo Henriques Britto disse sentir-se desconfortável com "essa imposição do rosto e do nome dele, gigantescos, em todos os espaços aqui. Isso é marketing puro. E eu me pergunto o que isso tem a ver com literatura".
A mesma dúvida tiveram muitos dos presentes na Solenidade de inauguração do evento. Na ocasião, o escritor mineiro Luiz Ruffato fez um discurso atrelado à crítica social. Ovacionado de pé por alguns minutos, a fala de 10 minutos transformou o autor em uma das estrelas da feira.
Seguiu-se uma extensa discussão. Discurso político ou discurso literário?, foi a pergunta que não quis calar. Políticos correram para tentar justificar a opinião de Ruffato causando até mesmo momentos vexatórios como o discurso de improviso do vice-presidente Michel Temer na mesma noite, tentando amortecer o impacto das palavras do escritor junto ao público alemão autores dividiam-se entre "pró-Ruffato" e "contra-Ruffato": Nélida Pinon ratificou "ter a nítida postura de não falar mal do meu país fora das fronteiras brasileiras", Paulo Lins autor de "Cidade de Deus" e, ao lado de Ferrez, únicos negros da comitiva brasileira, o que por sinal também foi motivo de muito debate assegurou que o discurso do amigo trata-se de uma "declaração de amor" ao Brasil.
Lourenço Mutarelli escritor e autor de histórias em quadrinhos e que teve sua obra "O Cheiro do Ralo" adaptada para o cinema afirmou ter tido que se "segurar para não chorar" durante o discurso, proferido para um auditório lotado com 2000 pessoas.
Até mesmo Jürgen Boos, o já citado Presidente da Feira de Livros de Frankfurt, precisou dar suas opiniões sobre o assunto. Boos explicou em coletiva de imprensa: "Rufatto estava falando de si próprio, da sociedade que o rodeia e de como se tornou um escritor, do papel da literatura nesse processo." Para Boos, que atua desde 2005 como presidente da feira, o discurso foi "o relato de uma história de sucesso".
Saravá Depois de cinco dias cercados de críticas políticas (e talvez até politicagem), Paulo Lins encerrou a participação do Brasil como país convidado com um "saravá" aos professores do Rio de Janeiro em menção aos protestos de educadores na capital fluminense e a leitura de um de seus poemas, que obviamente também teve cunho político. O escritor carioca aproveitou também para mais uma vez tocar no assunto da presença ou não de critérios raciais na seleção da delegação brasileira ("não houve racismo na lista") e para criticar sutilmente o discurso do vice-presidente Michel Temer, que em seu constrangedor discurso de improviso alguns dias antes citara um livro de poesias que escrevera.
Ao lado de Paulo estava Rosa Liksom, escritora finlandesa, autora de "Os Paraísos do Caminho Vazio"
A Finlândia será o país homenageado da Feira de Frankfurt em 2014, seguido pela Indonésia, em 2015.
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