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Embora não apele para o clichê "Baseado em uma história real", Os Desencantados, de Budd Schulberg (Tradução de A. B. de Souza, A. C. de Franca Neto e R. Lacerda. Cosac Naify, 424 págs., R$ 59,90), bem poderia. É verdade que a frase, ostentada por publicações como uma espécie de dom especial, consegue reunir imprecisões suficientes para aterrorizar qualquer teórico da literatura. Afinal, todos livros não são, de alguma forma, baseados no real? Todas as narrativas não são também reais – ao menos no universo da ficção? Mesmo recorrendo a uma "história real", os autores não agem sobre os episódios que retratam ao ponto de criar uma versão dos fatos?

Com todos os poréns, Os Desencantados é um romance autobiográfico. Lançado em 1950, dramatiza a experiência de Schulberg como co-roteirista do musical Winter Carnival (1939). Ele era um jovem de 25 anos quando assumiu o trabalho ao lado de um dinossauro, o escritor Francis Scott Fitzgerald (1896 – 1940), autor de O Grande Gatsby. Já decadente, com a mulher Zelda internada em um hospício e destruído pelo alcoolismo, Fitzgerald foi para Hollywood dizimar o pouco de dignidade que lhe restava. Trabalhou em diversos projetos – inclusive em ...E o Vento Levou – e não recebeu crédito na maioria deles. Morreu de infarto em 1940.

O episódio seria transformado em livro uma década mais tarde. Os Desencantados se tornou um retrato sóbrio de como a indústria americana do cinema devora sonhadores. Shep Stearns, alter ego de Schulberg, é o aspirante a roteirista que aguarda sua grande chance no cinema. Manley Halliday seria o Fitzgerald romanceado, autor fundamental das letras americanas vivendo um fim de carreira melancólico.

As referências ao autor da chamada Era do Jazz são várias. Ao longo da narrativa, flashbacks mostram Halliday vivendo dias de excessos na Europa, exatamente como o verdadeiro Fitzgerald descrito pelo amigo Ernest Hemingway em Paris É uma Festa.

Roman à clef (literalmente, "romance com chave") é o termo usado para obras na linha de Os Desencantados, em que se descreve situações factuais, mas se altera o nome dos personagens, dando aos eventos uma aparência de ficção.

Schulberg nasceu no meio cinematográfico, filho de um alto executivo da Paramount. Estreou na literatura em 1941, aos 27 anos, com O Que Faz Sammy Correr?, publicado no Brasil pela Record, uma crítica ao culto da personalidade que servia (e serve) de combustível a Hollywood. A consagração no cinema veio com o roteiro de Sindicato de Ladrões (1954), dirigido por Elia Kazan. Ambos foram perseguidos pelo Comitê de Atividades Anti-Americanas, do senador Joseph McCarthy, e arquitetaram um revide na forma da produção que deu a Marlon Brando o seu primeiro Oscar de ator.

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