Ringo foi simpático e elogiou as reações da plateia e o teatro| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Ringo Starr nunca escondeu suas limitações como compositor ou cantor. Pelo contrário, logo no começo de sua carreira solo fez uma música ("Early 1970") em que brincava com a falta de habilidade nas aventuras musicais que fossem além da bateria. Desde o fim dos Beatles, ele compensa parte dessas deficiências com seu jeito boa praça, capaz de atrair colaboradores de alto quilate em discos e shows. A apresentação da última quinta-feira, 31, em Curitiba, foi mais um passo nessa longa trajetória.

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Não que o público de cerca de 2 mil pessoas que foi ao Teatro Positivo se importasse muito com o Ringo artista solo; a plateia estava lá para assistir a um ex-beatle, algo que a capital paranaense não via há 20 anos – desde a apresentação de Paul McCartney na Pedreira Paulo Leminski. Nesse sentido, o show pode ter decepcionado, não pela qualidade (excelente) das interpretações, mas pela quantidade: apenas 8 das 23 músicas apresentadas saíram do repertório do quarteto de Liverpool.

Após abrir com "Matchbox", cover de Carl Perkins lançada no auge da beatlemania, Ringo emendou "It Don’t Come Easy", um de seus maiores sucessos na década de 1970. "Wings", do disco mais recente (Ringo 2012), deu uma esfriada no ânimo da plateia, que vinha entusiasmadíssima com a dobradinha da abertura. Na sequência, o guitarrista Todd Rundgren assumiu os vocais de sua própria "I Saw the Light", e Ringo Starr adquiriu temporariamente o papel de coadjuvante, atrás de seu kit e empunhando as baquetas. Ele retornaria ao centro do palco quatro músicas mais tarde, em grande estilo, com "Don’t Pass Me By", do Álbum Branco dos Beatles.

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A All-Starr Band, que acompanha Ringo, é interessante: trata-se de um supergrupo, ou seja, reúne grandes músicos, nomes que já foram alçados à fama em bandas anteriores. Quase todos têm a chance de apresentar os trabalhos que lhes renderam sucesso no passado. E é aí que mora também certa esquisitice do projeto, pois ele permite que estilos muito diferentes sejam encadeados como no modo "shuffle" de um tocador de MP3.

Nesta sua 12.ª encarnação, a All-Starr Band – que já abrigou gente do naipe de Peter Frampton, Levon Helm (The Band) e Nils Lofgren (E Street Band) – reúne Steve Lukather, do Toto (guitarra); Gregg Rollie, de Journey e Santana (teclados); Richard Page, do extinto Mr. Mister (baixo); Mark Rivera (metais e percussão); Gregg Bissonette (bateria); além de Rundgren (guitarra), cuja carreira solo foi aclamada pela crítica na década de 1970. Assim, à psicodelia de "Yellow Submarine" – um dos pontos altos do show, acompanhada por um público que agitava bexigas amarelas –, seguiu-se o blues latinizado de "Black Magic Woman", que por sua vez deu lugar ao country-rock de "Honey Don’t" e ao pop de sala de espera "Africa".

Era visível a satisfação das pessoas ao reconhecer canções de Santana e Toto em meio às músicas que Ringo tornou famosas nos Beatles, mas, no conjunto, a mistura desnorteava. No ambiente do teatro, ela resultou num senta-e-levanta constante a partir da metade do show. (Diferentemente do que vinha ocorrendo ao longo da turnê, em Curitiba as músicas do Mr. Mister – do eterno hit easy listening "Broken Wings" – não foram tocadas.)

A sequência final arrebatou os presentes e contrabalançou quaisquer inconsistências da apresentação: "Photograph" (talvez a melhor música já gravada na voz de Ringo), "Act Naturally", "With a Little Help from My Friends" – introduzida pelo ex-beatle com um "se você não conhece esta, está no show errado" – e um breve coro de "Give Peace a Chance". Em uma hora e cinquenta minutos, Ringo foi simpático, elogiou as reações da plateia e o espaço ("que lugar interessante, interessante mesmo"), pediu paz (no indefectível sinal com os dedos em forma de V) e fez piadas ("a música que vamos tocar é da banda da qual eu fazia parte, acho que vocês já ouviram falar"; "essa agora é do meu último disco, que quatro pessoas compraram").

A competência da banda, o repertório eclético – mesmo que meio aleatório – e o jeito bonachão do astro conquistaram o público. E, convenhamos, todos testemunharam um beatle no palco; isso é o que basta.

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