Não tem para mais ninguém. As preferidas dos artistas são as camareiras Maria Altamira de Oliveira, de 68 anos, e Rosa Maria Moises, de 67 anos. Embora seus serviços já não sejam tão requisitados – hoje é comum que os artistas viajem com seus próprios camareiros –, elas continuam sendo indispensáveis para aquele cafezinho ou para um dedo de prosa.

CARREGANDO :)

A entrevista ao Caderno G acontecia em um ambiente acolhedor, que mais parece uma sala de estar. A repórter tomava um cafezinho passado na hora por dona Maria, enquanto as duas, acomodadas em um sofá com babados e almofadas verdes, divertiam-se em trazer as lembranças à tona. Eis que surge na soleira da porta o ator Leonardo Miggiorin. Veio abraçar dona Maria, que há alguns anos, previu: "Você ainda vai ser ator da Globo!".

As camareiras contam que já embalaram os filhos de muitos artistas, como os da bailarina Denise Stoklos, e viram crescer muita gente. Ainda hoje acompanham de perto as alegrias e tristezas de cada bailarino do teatro.

Publicidade

Dona Maria tem 36 anos de casa. Pela relação afetuosa que criou com a classe artística, chegou a receber o Prêmio Gralha Azul de melhor técnica, em 1999. Em março, Rosa completa 30 anos de trabalho. Quando era "jovenzinha", pedia autógrafo a todos os artistas que conhecia. Depois, cansou. Mas, ainda mantém uma coleção de crachás – são quase 200. "Isso não é comigo", conta Dona Maria, mais sisuda. Inseparáveis, elas confessam que vão sentir muita falta do "segundo lar" quando se aposentarem – daqui há dois ou três anos.

Rato de porão

"Eu sou boy, eu sou boy, eu sou boy...". Fernando Cunha, de 66 anos, cantarola a música do cantor Kid Vinil para falar à repórter sobre sua primeira função no Teatro Guaíra. No dia 13 de dezembro de 1956, o garoto de 16 anos foi passear pelo teatro e acabou contratado. De office boy passou a almoxarife, contra-regra, ator. Hoje, prestes a completar 50 anos de teatro, é uma espécie de memória viva da casa, junto com o colega Miguel Esposito, de 62 anos. Com 45 anos de trabalhos prestados, Esposito é um pioneiro – foi o primeiro técnico da Orquestra Sinfônica do Estado e o primeiro sonoplasta do Guaíra.

Hoje, a dupla atua como anfitriã, levando os visitantes para um passeio pelas "tocas" do Guaíra. "Somos os ratos de porão do Teatro", brinca Cunha. Ele conta que já recebeu personalidades ilustres como o filho do ex-presidente João Goulart e o crítico de cinema Rubens Ewald Filho. Mas, prefere bater um papo com as crianças das escolas públicas. "Há jovens que chegam a chorar ao conhecer a história do Teatro", conta Cunha.

Cunha e Esposito são a velha guarda – e o cerne – do Setor de Preservação e Memória do Teatro Guaíra. Recentemente, quatro estudantes do curso de Gestão da Informação, da UFPR, deram início a uma operação "pente fino", com o objetivo de organizar e, por fim, digitalizar todo o arquivo. "Abro uma caixa e viajo. Fora o que a gente aprende com esses dois", diz Marcos Vinícius Vieira, de 18 anos. Os estagiários adoram quando Cunha, com cabelos brancos e arrepiados, mostra a língua, imitando Albert Einstein, um de seus trabalhos mais recentes como ator.

Publicidade

Insubstituíveis

Sem o trabalho de outra dupla dinâmica, os espetáculos do Teatro Guaíra não teriam o mesmo brilho. Terezinha de Lourdes Pereira, a Neca, e Sueli do Rocio Carbonara são as costureiras oficiais. Se o espetáculo é grande, como é o caso de O Quebra-Nozes, com mais de 50 bailarinos, elas contam com o apoio de uma equipe terceirizada. Mas, o dueto é insubstituível. "Uma costureira comum não sabe interpretar os desenhos", conta Sueli. A experiência de mais de 20 anos como especialistas em figurinos para espetáculos dá passe livre para que elas palpitem à vontade. "Os figurinistas geralmente aceitam nossas sugestões porque sabemos o que fica melhor em cada bailarino", diz Sueli.

As duas já passaram por poucas e boas para dar conta de todo o figurino. "Uma vez, tivemos que terminar as roupas para o primeiro e o segundo ato com o espetáculo acontecendo", lembram. Mas, o resultado da jornada extensa de trabalho, que às vezes chega a 16 horas, compensa. "É gratificante saber que aquelas roupas foram feitas pela gente", conta Sueli.

O carinho dos artistas pelas duas é tão grande que já foram convidadas para ser figurantes de um espetáculo. Não precisaram dançar, mas andaram pelo palco. A família, lógico, não perdeu a oportunidade de vê-las às luzes da ribalta.

Sueli tem 57 anos, Neca 61. Em breve, pretendem se aposentar. E quem irá substituí-las? "Ninguém quer aprender. Além disso, ainda não houve interesse em formar alguém para ficar no nosso lugar", conta Sueli.

Publicidade