Ele está na estrada e anda rápido. Enquanto segue com a turnê de Iê Iê Iê, disco lançado ano passado, Arnaldo Antunes se vira para conceder entrevistas. O motivo das conversas agora é n.d.a, seu 10.º livro. Chamem-no de poeta, músico, gravurista, não importa: seu destino é estar em meio a palavras. A obra é tinta fresca. Traz poemas com no máximo três anos de idade que revelam a perseguição do autor pela união entre imagem e palavra, entre sentido primário e significado implícito. De sua casa em São Paulo, depois de um show de Taubaté (SP) e antes de se apresentar no Rio de Janeiro, o ex-Titã conversou com a reportagem da Gazeta do Povo.
"Alguns traços são novidades neste livro. Por exemplo os cartões postais no final e a inserção de uma certa tridimensionalidade gráfica em alguns poemas", diz o artista, com voz eterna de quem acabou de acordar.
Primeiramente o poeta se refere ao que encontramos na metade final do livro de 208 páginas. Há fotos em preto e branco, sempre com alguma palavra ou conjunto de palavras em destaque. Lemos "divino" em uma caçamba de lixo; estranhamos "Dionísio Roldam-me" no que parece ser a traseira de um ônibus.
"Carrego uma máquina fotográfica (Cassio, digital) para onde vou. Fico atento a essas escrituras de rua. Sempre acho algo que se destaca, tenha sentido ou não. Quase sempre isso adquire uma carga poética", conta Antunes, que fotografa de maneira despretensiosa há mais de dez anos. "Penso em breve em lançar um livro em cores somente com essas fotos", revela.
O segundo ponto de mudança em relação, por exemplo, a Como É Que Chama o Nome Disso (2006), é seu aprofundamento na "poesia visual". O escritor utiliza recursos gráficos para obter, mais do que poemas concretos, textos que se sustentem também por sua forma então se você perceber que gira n.d.a como um volante enquanto lê, é porque está no caminho certo. Isso pode ser percebido quando um rastro de palavras emula o suave cair de uma folha; ou outras "céu", "vão", "entra" , que moldam uma janela.
"Alguns poemas já vêm com sua configuração gráfica antecipada ao texto. Esse da folha foi pensado depois, já que o poema já existia", responde o quase cinquentão Antunes o artista faz aniversário em setembro. "Pseudo-narrativas" mais longas há uma sobre a ação de amar alguém que é um primor, embora acabe quase de maneira infantil, talvez propositalmente , são outras novidades.
Criação
Arnaldo Antunes é perseguido por palavras. Acontece, vez em quando, de se render a elas e precisar levantar da cama durante a madrugada para exorcizá-las. Com a criação da canções funciona da mesma forma. Esteja o artista em casa, na rua, entre amigos. Há quem chame isso de dom.
"O que me dá mais trabalho é me debruçar pouco a pouco sobre os rascunhos. O meu impulso instantâneo acaba sendo retrabalhado intensamente. Substituo palavras, transformo versões, depuro, decanto", explica o pluriartista.
Seu parceiro Carlinhos Brown junto com Marisa Monte formaram os Tribalistas, em 2002 foi quem definiu as "sobras" da arte de Arnaldo. O resto, o que fica de fora em um primeiro momento, tudo isso atende pelo nome de "baú da hora certa". "Está tudo ali no baú. De repente uso uma frase de um poema antigo para gerar um novo poema", diz Arnaldo, que mantém relação tempestuosa com o fumo. O poeta traga por uns meses e para em outros. No livro, um dos postais revela o semi-vício em fotos parciais de dois maços de cigarro.
Amigo da besta
n.d.a reafirma a propensão concretista de Antunes. Amigo e admirador de Paulo Leminski (1944-1989), o artista conviveu intimamente com o escritor curitibano. Dormiu em sua casa, criou laços afetivos com a esposa de Leminski, Alice Ruiz, e com suas filhas. "Ele me influenciou muito, sem dúvida. Sou amigo da família até hoje e temos uma relação bacana. Gosto tanto de seu lado concretista quanto da sua alma de contracultura", aponta Antunes, que já chegou a escrever alguns ensaios sobre a "besta dos pinheirais". Arnaldo Antunes está na estrada. E talvez nem as palavras o segurem.
Serviço:
n.d.a., de Arnaldo Antunes. Iluminuras, 208 págs., R$ 44.
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