Uma nova polêmica vem envolvendo os especialistas em arte depois que o governo italiano gastou 3,3 milhões de euros (US$ 4,2 milhões), no ano passado, na aquisição de um crucifixo atribuído a Michelângelo. O objeto, afinal de contas, é ou não do gênio renascentista?
O assunto virou reportagem do jornal "The New York Times", publicada nesta terça-feira (21). Trabalhos de Michelângelo não são postos à venda com frequência, mas quando o são, custam verdadeiras fortunas. O valor pago pelo crucifixo de madeira, vendido pelo negociante de arte Giancarlo Gallino, de Turim, foi considerado uma barganha.
Mas há o constrangimento. Se a peça não for mesmo autêntica, como alguns críticos afirmam, o governo terá desperdiçado recursos comprando algo de pequeno valor, em meio à crise econômica que assola o mundo e quando mais de um bilhão de euros foram cortados do orçamento do Ministério da Cultura da Itália para os próximos três anos.
A estátua passou por várias das principais cidades da Itália, como Roma, Palermo e Milão. Os críticos acusam o governo de estar utilizando-a como propaganda para divulgar a atuação do ministério, enquanto outras preciosidades que precisam de restauração são esquecidas. "É muito dinheiro para se gastar em uma obra de atribuição dúbia", afirmou ao jornal Maurizia Migliorini, professora da Universidade de Gênova.
Verdadeira ou falsa?
Investigações foram abertas para determinar a autenticidade e valor da peça, e especialistas em arte renascentista serão ouvidos a fim de confirmar se o crucifixo pode ou não ser creditado a Michelângelo. Alguns deles falaram ao "The New York Times".
"As atribuições não são de Michelângelo", afirma Francesco Caglioti, especialista em escultura renascentista, que acredita que pelo menos uma dúzia de artesões possam ter feito crucifixos como esse em questão. Ele não acredita que a peça valha muito mais que 100 mil euros (US$ 129,7 mil). "Infelizmente meus colegas se esquecem de que sempre que algo belo surge, é creditado a um nome famoso", acrescentou.
Gallino já havia oferecido o objeto ao museu Casa Buonarroti, dedicado à obra de Michelângelo, e o presidente da fundação na época recusou a peça. "Ele achou que era bonita, mas não de Michelângelo", afirmou Pina Ragionieri, atual diretora do museu.
Não há documentos que liguem o crucifixo a Michelângelo, e seus biógrafos não fazem nenhuma referência sobre ele ter feito pequenos trabalhos em madeira.
Defensores da autenticidade do objeto acreditam que ele tenha sido feito pelo artista por volta de 1495, quando ele teria 20 anos, e citam semelhanças com peças da mesma época, como a Pietá do Vaticano.
"Já vi centenas de crucifixos e a qualidade desse é maior do que todos os outros", afirma Giancarlo Gentilini, expert em arte renascentista e um dos primeiros a defender que a peça tenha sido de fato assinada pelo artista. "Para sobreviver, um jovem artista tinha de fazer pequeno trabalhos desse tipo. Só podemos associar a Michelângelo essa obra de arte", conclui.