Caio Marques: entre o local e o nacional
Curitiba ficou atenta durante esta década de consolidação da música brasileira. Herança da prolífica cena que existiu durante os anos 90, mas que não sobreviveu à virada do milênio. Assim como a própria indústria musical, que entrou em crise. Algumas bandas locais caminhavam alinhadas com os interesses do mercado fonográfico e todo mundo saía feliz. Com a chegada da internet, a "livre" circulação dos MP3 e uma relação estranha vivida entre público e as casas de show da cidade, o cenário mudou.
Caio Marques passou por todas essas diferentes fases da cidade. Trocou o teatro pela música no final dos anos 80 (ele participou dos primeiros passos da Sutil Cia de Teatro, de Felipe Hirsch) e, junto com Guto Gevaerd, criou o Frutos Madurinhos do Amor. Um dos primeiros nomes a entrar neste sentimento tropicalista que testemunhamos na música brasileira. "Começamos a misturar samba com rap, lá por 1989. Nós sempre gostamos bastante de rock, hip hop, MPB e assim fazíamos nossos experimentos esporádicos. A banda não chegou a acabar, demos um tempo porque o Guto mudou para o Rio de Janeiro naquela época", diz Marques. Ele continuou tocando e é uma das cabeças envolvidas com o grupo Bad Folks.
Hoje, Marques se prepara para lançar mais um registro de sua carreira solo, que já conta com dois discos e mantém uma livre proposta parecida com a dos Frutos Madurinhos, porém, reduzida ao verdadeiro sentido da palavra "solo". "Eu sempre gostei de ser autor, músico e produtor. Gravar minhas coisas sozinho, tocar os instrumentos e deixar as coisas do meu jeito. Neste último trabalho, eu recebo a ajuda de Rodrigo Stradiotto na produção, o que abriu portas diferentes para o disco. Mas também adoro tocar com banda", finaliza Marques. (GA)
Muito bem. Agora vamos fazer uma pausa com todos esses dados e informações sobre uma nova ramificação da música brasileira para tentar entender como ela acontece em nossa vizinhança. Curitiba, a música popular brasileira contemporânea e os chamados "Novos Curitibanos".
Quarta-feira, dia 18 de maio de 2011. Um vídeo postado no dia anterior no site Youtube provoca uma comoção espontânea pelas redes sociais. Começou pelo Facebook e logo correu pelo Twitter, Tumblr, blogs, e-mails... Todos acompanhavam dez versos repetidos, em inúmeras repetições na exibição do clipe (escrevo "repetições", aqui, de propósito).
A música "Oração" funcionou como um mantra de bons sentimentos e simplicidade. Várias interpretações estão presentes ali, mas a mensagem era simples e acessível. Começava assim, o sucesso dA Banda Mais Bonita da Cidade (leia mais na página 6) e surgia uma nova pauta para jornais, revistas e botecos. Todos queriam estar por dentro da novidade curitibana, mesmo com suas opiniões formadas e prontas na ponta da língua. Alguns jornalistas caracterizaram o acontecimento como um movimento organizado e se apropriaram da história, classificando seus personagens como "Novos Curitibanos".
Porém, assim como esse fato marca um novo período da música local, ele também encerra, e muito bem, uma trajetória que começou lá por 2001, 2002 O real berço desses "neocuritibanos".
Coleção de casos
Uma das grandes características das rodas de conversa que encontramos pelas noites dos pinherais, é a busca pela compreensão de nossa cidade. Curitiba é intrigante e todos tentam entendê-la. Pessoas se conhecem nos bares, conversam e discutem ideias geniais. Salvam o mundo e a cena curitibana enquanto enchem seus copos de cerveja. Parece uma modalidade olímpica. Encontrar soluções revolucionárias para festas, shows, bandas, clipes, zines, bares pagar a conta, e ir dormir com o dever cumprido. Embriagados.
A última década tem sido assim. Mas vamos tentar inverter esse ponto de vista. E se os "salvadores noturnos" vislumbrassem o lado positivo dessa ausência de identidade cultural local de que tantos falam por aí. E se este fosse o charme de Curitiba, esperando ser descoberto e explorado? E se A Banda Mais Bonita da Cidade fosse um sinal para entender melhor isso tudo?
Não faltam exemplos, na história recente da música curitibana, de bandas e artistas que criaram seus caminhos para "chegarem lá". Cada um de uma maneira diferente. Caio Marques estampou seu trabalho solo em uma coletânea distribuída pelo jornal britânico The Guardian, além de ser uma figura presente em programas de rádios em Nova York. O Copacabana Club virou uma referência nacional e chegou a excursionar pelos Estados Unidos, com passagens em eventos, como o South by Southwest. Esse mesmo festival contou com a presença de Cassiano Fagundes, o Cassim, como parte de uma das mais extensas turnês realizadas por uma banda independente brasileira em solo americano e canadense. Fagundes retornou às terras do Tio Sam para mais uma série de shows com seu projeto Cassim & Barbária. Ele e Marques também fizeram parte do Bad Folks, que fizeram uma miniturnê pela Espanha. A Europa é território bem conhecido pelos integrantes do Wandula, sem contar a turma do psychobilly e hard-core que vive, muito bem, com o reconhecimento conseguido no Velho Continente.
São bandas que viveram momentos inusitados como Chucrobillyman, que tocou em pontos remotos de diversos países e o ruído/mm, citado em uma entrevista pelo escocês David Byrne (do Talking Heads) publicada por um site norte-americano (Pitchfork) sem ao menos ter saído do país. Também tem o Bonde do Rolê, o inesperado nome que talvez tenha voado mais longe em toda seara musical dos pinherais e hoje circula nas esferas da música pop mundial.
Atuando dentro do Brasil, nós temos as promissoras e bem conduzidas carreiras de grupos como Sabonetes, Charme Chulo, Banda Gentileza, Rosie and Me e Boss in Drama. Histórias e casos de artistas que criaram uma situação para a sua chance acontecer. ou ainda estão em processo de criação. O ponto que liga isso tudo é o fato de serem musicalmente diferentes entre eles, possuírem um trabalho de qualidade e uma relação íntima com a internet e seus respectivos computadores.
Hoje, não precisamos mais da figura de um "líder" ou o grande cabeça com a coroa de salvador da cena musical local; nós precisamos olhar para a cidade, ter conexão banda larga, home studios e criatividade. Isso é uma identidade cultural, e das boas. Pode relaxar.
Simples
Todas essas bandas surgiram na década passada, em um período de entressafra da música local, ao mesmo tempo em que a cidade andava bem agitada com o início dos festivais internacionais (Curitiba Pop Festival, Tim Festival ), além de uma atenção especial voltada para cá. Todos eles são "novos curitibanos" e contribuíram de alguma maneira com o sucesso de "Oração", porém, nenhum dos nomes citados (entre vários outros) foi tão longe em menos de um mês, quanto A Banda Mais Bonita da Cidade.
Se somarmos todas as pessoas que consumiram algum tipo de material local, desde o garoto no interior da Itália que viu o show do Chucrobillyman, até o distinto senhor inglês que trombou com uma música do Caio Marques no jornal, não chega próximo do 5 milhões de espectadores que hoje cantarolam "Meu amor, essa é a última oração ".
O que aconteceu?
A Banda Mais Bonita da Cidade conseguiu um feito inédito no país e colocou em questão nossos valores e defeitos. A esfuziante demonstração de alegria e felicidade de um grupo de amigos tomou de assalto a vida de milhares de pessoas em questão de horas. Alastrou seus sintomas a cada play dado e conseguiu chegar no mais perdido ouvido acomodado em seu universo particular.
Uma melodia grudenta e repetitiva, simples e honesta. Amigos alegres dançam e cantam em um lindo dia de sol. Adicione a esta equação o fato de que os primeiros espectadores assistiram ao clipe durante uma triste e nublada tarde de quarta-feira. Você está no meio do seu expediente e tromba com um vídeo desses. Difícil não se contagiar
Isso não foi pensado, mas é um belo case para publicitários, jornalistas e marqueteiros. Assim como todas as críticas de falta de originalidade são facilmente revertidas. Referências ao Beirut e Blogothèque são declaradas e, ao invés de serem alvos das pedradas, devem ser agradecidas. "Oração" é uma espécie de resumo atual de elementos da cultura pop virtual que não chegaram até a grande massa e ampliaram os limites sensoriais de cada um. Mas não mudou a vida de ninguém, só foi assimilado como uma música diferente em um clipe legal. Não é nada complicado e nem precisa ser.
Curitiba aceitou bem o fenômeno, assim como sua classe artística e população. Teve um comportamento diferente da fama autofágica e provinciana que a persegue. Críticas e observações mais negativas vieram de fora, como se A Banda Mais Bonita da Cidade fizesse transparecer o "lado curitibano" do resto do Brasil.
Não imaginamos o que vem pela frente. Nem precisamos. A música curitibana amadureceu durante estes dez anos e agora nós precisamos crescer como ouvintes e consumidores para poder aproveitar os pequenos detalhes que orquestram nosso cotidiano. Espero poder te encontrar no próximo show de alguma banda local.