"Eu odeio escrever", respondeu Rachel de Queiroz a um jornalista. Fernando Morais, que adotou a pena de jornalista aos 15 anos, suprindo a ausência do único repórter da revista em que trabalhava como office boy em Minas Gerais, cita a frase polêmica da escritora para expressar como se sente no momento. Ele está trancafiado em sua casa em Maresias, litoral paulista, concluindo sua mais recente biografia sobre o escritor Paulo Coelho (com previsão de lançamento pela Planeta ainda no segundo semestre deste ano).
O autor das biografias Olga (1985), Chatô, o Rei do Brasil (1994) e Montenegro, As Aventuras do Marechal que Fez Uma Revolução nos Céus do Brasil (2006) conversou sobre seu ofício com o Caderno G. Confira trechos da entrevista.
Como nasceu o interesse em escrever biografias? Não tenho interesse específico por biografia. Procuro temas que me interessam. Quando a condução desses temas concentra em uma pessoa, sai uma biografia. Se o personagem é saboroso, se permite recortar algum pedaço da história, são alguns pré-requisitos que me seduzem.
Você precisa ter empatia com o personagem?Não, diferentemente de outros autores. Eu já pensei em escrever uma biografia do delegado Fleury. Não fiz porque já tinha gente fazendo. Assis Chateaubriand, por exemplo, foi um personagem pelo qual eu não tinha absolutamente nenhuma simpatia e escrevi um livro de 800 páginas.
Durante o processo de produção da biografia isso pode mudar? Para o mal ou para o bem. Você tanto pode passar a amar o personagem quanto a odiar. O cuidado que o autor tem que ter é o distanciamento, em benefício da precisão. Porque quanto menos você se envolver com o personagem, mais parecido com o que ele era em vida ele vai ser na biografia. O risco do envolvimento emocional do autor com o personagem é desfigurá-lo, fazê-lo diferente do que ele é.
Você escreveu sobre figuras públicas, quase mitológicas. Como não cair na armadilha de consolidar o mito ou de negá-lo? O Chateaubriand era um personagem escancarado, foi uma pessoa pública, dono de um império, senador, embaixador, metido nas artes plásticas. À primeira vista, ele seria um personagem para desanimar o autor. Poderia-se pensar: "Não deve haver mais nada para falar sobre esse sujeito". Seria o mesmo que se perguntar hoje: "Será que o Roberto Marinho dá uma boa história?". Evidente que dá, por mais pública e consolidada que a imagem dele esteja, para o bem ou para o mal. Uma vez, nos Estados Unidos, fui a uma livraria e vi 19 biografias diferentes da Jackeline Onassis.
A biografia pode flertar com recursos da ficção?Não, utilizo recursos da entrevista. Quando estava fazendo Olga, no período que trabalhei na antiga Alemanha Oriental, todo mundo que tinha convivido com ela em campo de concentração, em prisão, estava muito velhinho, eram comunistas, com uma concepção do que era interessante diferente da minha. Eu perguntava "como ela estava vestida?", "ela gesticulava muito?", "usava vestido curto, comprido?". E as pessoas diziam: "Isso não tem a menor importância para a história". Eu era obrigada a responder o seguinte: "Pode não ser importante para a sua história, para a minha é". É muito comum nas entrevistas que faço ou nas que eu peço a auxiliares para fazer buscar elementos para recriar atmosfera. Quanto mais informações você tiver, mais liberdade terá para dar tratamento literário, que não tem nada a ter ficcional, ao texto.
A pesquisa é fase mais crítica do processo de fazer uma biografia? Quanto mais bem-feita, minuciosa, abundante for a pesquisa, mais fácil será a produção do texto final. Estou aqui escrevendo e às vezes telefono para alguém. Agora, há poucos dias, liguei para um psiquiatra que deu choque elétrico em Paulo Coelho no hospício, em 1966. Descobri que ele está vivo, liguei, perguntei, tapei buraco daqui e dali. O ideal é que tudo esteja feito antes de começar a escrever, mas sempre fica buraco.
Quem propôs a biografia, você ou Paulo Coelho?Fui eu. Estava procurando um personagem que não fosse exclusivamente brasileiro porque a Editora Planeta (na qual publica) existe em 16 países. Minha idéia inicial era fazer o Hugo Chávez, de quem sou amigo, solidário, membro do board da Telesur (TV internacional sediada em Caracas). Fui para a Venezuela, e ele me disse que o Bob Fernandes, ex-editor da Carta Capital, já estava fazendo. Então, fui fazer de Paulo Coelho, que não conhecia.
Já teve algum problema com algum biografado ou familiares? Alguns gostam, outros não. Quanto mais polêmica você provocar, dependendo do personagem, é mais uma prova de que você acertou na mão porque era personagens que já provocavam polêmica quando eram vivos.
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