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Debate entre Luiz Eduardo Soares (à esq.) e Fernando Gabeira foi um dos mais acalorados da festa literária de Paraty | Walter Craveiro/Divulgação
Debate entre Luiz Eduardo Soares (à esq.) e Fernando Gabeira foi um dos mais acalorados da festa literária de Paraty| Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Política no Brasil é sinônimo de autoritarismo desde sempre, ainda que o país viva hoje sob o signo de uma suposta democracia. Essa foi a tônica do debate travado, quinta-feira à noite, na Flip, entre o jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira e o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública do governo Lula.

Com mediação do jornalista e escritor Zuenir Ventura, os convidados proporcionaram ao público uma das discussões mais acaloradas da décima edição do evento literário até o momento. Também pudera: o tema dava mesmo pano para muitas mangas. Quem assistia à mesa adorou e os aplaudiu "em cena aberta" várias vezes.

Soares, um dos autores de Elite da Tropa 1 e 2, base aos longas-metragens da franquia Tropa de Elite, disse que, embora tenha dado passos largos, a democracia brasileira ainda padece de vícios autoritários, resultantes não apenas dos mais de 30 anos de ditadura militar, mas de uma tradição que permeia a história do país. Segundo ele, o Estado continua a praticar atos de brutalidade arbitrários e intoleráveis, sobretudo contra pobres e negros.

Gabeira, por sua vez, ressaltou que houve avanços no âmbito das relações privadas, como a emancipação da mulher, a maior inserção na sociedade dos homossexuais e das minorias raciais, mas isso tudo é pouco, e não aconteceu por ação direta dos governos, mas de mudanças sociais. Para ele, no entanto, o povo, desde a Independência, em 1822, parece estar sempre à espera de uma instância superior que tome decisões e faça escolhas em seu nome. Talvez por isso o autoritarismo sempre tenha encontrado terreno tão fértil para se perpetuar e, de certa forma, se reinventar.

Essa reinvenção à qual Gabeira se refere diz respeito, por exemplo, a práticas autoritárias e populistas, iniciadas por Getúlio Vargas (1882-1954), e que se renovaram e se perpetuaram, de diferentes formas, em figuras como Leonel Brizola (1922-2004) e Antony Garotinho. "O Lula tem um pouco isso também", afirmou Gabeira. "O desejo deles é falar com as massas, ignorar o sistema político e os partidos."

Soares disse que é preciso separar Brizola, uma figura pública de enorme importância para o país, de Garotinho, que ele chamou de "sintoma" do que há de pior na política brasileira, como o clientelismo e a corrupção, mas concordou com Gabeira quando ele afirma que, para as esquerdas, os fins ainda justificam os meios.

Gabeira foi ovacionado ao qualificar a união de Lula e Paulo Maluf na campanha de Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo como exemplo do "lamentável sistema político brasileiro". "Você não sabe quem é quem", disse. E Soares lembrou que Luiz Carlos Prestes (1898-1990), fundador do Partido Comunista Brasileiro, apertou a mão de Getúlio e o apoiou em 1945, mesmo depois de ter ficado preso por dez anos em uma cela solitária e de ver a sua companheira, a alemã Olga Benário, ser entregue, grávida, pelo governo Vargas, aos nazistas para ser morta em um campo de concentração.

A analogia entre os dois momentos foi inevitável para sustentar a tese de que a política instrumentalista e pouco ideológica dá o tom no Brasil.

Em outro momento que provocou muitos risos e aplausos, Gabeira comparou Lula e o PT à protagonista da peça teatral A Visita de Uma Senhora, do dramaturgo suíço Friedrich Durrenmatt. Expulsa de sua cidade por ser uma meretriz, ela volta depois, já rica, com sede de vingança. "Na peça, ela diz: ‘O mundo fez de mim uma puta, vou fazer do mundo um bordel’". O Brasil seria, nas palavras de Gabeira, o bordel do PT

Comissão da Verdade

A Comissão da Verdade, tentativa de investigar crimes e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura militar, foi outro tema debatido. Enquanto Soares defende a ideia de que ela é importante, porque a Lei da Anistia empurrou a barbárie para debaixo do tapete, partindo direto para a reconciliação antes que os fatos fossem apurados, Gabeira se diz um tanto cético. "Não espero muito da comissão e confio mais na pressão dos meios de comunicação e das pessoas para a apuração dos fatos."

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