Juliette Binoche é personagem do Azul| Foto: Divulgação

Perfil

Cineasta escolheu as narrativas politizadas

No início de carreira, Krzysztof Kieslowski já dava sinais de preferir uma narrativa politizada, abordando questões sociais numa Polônia inerte sob o regime comunista. Ele produzia documentários sobre a vida e o dia a dia dos trabalhadores nas fábricas, tema que influenciaria seus primeiros filmes.

Amador (1979) ilustra bem essa fase. Kieslowski retrata um operário que compra uma câmera filmadora e se torna obcecado pelo objeto, uma forma de discutir a censura e o controle exercido pelo chefe da fábrica, que o convida a realizar pequenos documentários sobre a empresa.

Mais tarde, Kieslowski realizou O Decálogo (1989), série de dez histórias inspiradas nos mandamentos da Bíblia, que acabam por discutir conflitos familiares e de ordem moral.

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Filmografia

Entre os trabalhos do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski, se destacam (sempre com o título usado no Brasil): A Cicatriz (1976); A Calma (1976); Eu Não Sei (1977); O Ponto de Vista de um Porteiro Noturno (1978); Amador (1979); Não Matarás (1988); Não Amarás (1988); O Decálogo (1989); A Dupla Vida de Véronique (1991); City Life (1990); A Liberdade É Azul (1993); A Igualdade É Branca (1994) e A Fraternidade É Vermelha (1994). Ele deixou um roteiro pronto que deu origem ao filme Paraíso (2002), dirigido pelo alemão Tom Tykwer.

Julie Delpy trabalha no Branco
Irène Jacob protagoniza o Vermelho

O cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996) não se preocupou em abordar acontecimentos históricos significativos na Trilogia das Cores, que completa 20 anos agora, tampouco remontar ambientes e costumes da época.

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Nada do desmoronamento da monarquia, de camponeses e esquerdistas fervorosos pedindo a cabeça do rei Luís 16, ou da Tomada da Bastilha – eventos simbólicos quando se pensa sobre a Revolução Francesa de 1789.

O que Kieslowski fez foi, através dos ideais da Revolução – liberdade, igualdade e fraternidade –, demonstrar a complexidade das relações humanas e a aplicação (ou não) desses conceitos nos pequenos atos do cotidiano.

A princípio, a Trilogia das Cores surgiu como uma espécie de "presente" para as comemorações do bicentenário da Revolução Francesa e do início da União Europeia, no fim dos anos 1980. Apesar disso, Kieslowski se utiliza de um olhar crítico e distanciado – mas ao mesmo tempo carinhoso – sobre a França.

O cineasta trata de xenofobia, porém recorre também à igualdade. Fala sobre a frieza do europeu, mas também destaca sua capacidade fraterna. "Como estrangeiro, a visão dele sobre o país não é impregnada", diz o crítico de cinema Marden Machado.

Após duas décadas da conclusão do terceiro filme, as analogias sobre as relações humanas inseridas no contexto de A Liberdade É Azul (1993), A Igualdade É Branca (1994) e A Fraternidade É Vermelha (1994) não se perderam com o tempo.

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Para Machado, se Kieslowski tivesse filmado a obra nos dias de hoje e adotado os mesmos princípios, ela ainda teria força. "Talvez até demonstrasse com mais nitidez o que ele queria expor", diz.

Marcando cada filme com uma das cores da bandeira da França, o diretor traça o perfil dos personagens, impondo conflitos morais e inserindo os temas da Revolução na sociedade francesa dos anos 1990.

O entrecruzamento de ações é uma marca deixada por Kieslowski nos três filmes. Há cenas de um episódio que dialogam com as cenas de outro, direta ou indiretamente. Por exemplo: uma senhora muito corcunda que tenta jogar uma garrafa de vidro no latão de lixo reciclável aparece nos três filmes e acaba funcionando como um elo entre os personagens.

Para Kieslowski, o acaso cumpre um papel significativo. O diretor apropria-se de situações inesperadas e, a partir de suas consequências, desata momentos fundamentais nos filmes, levando o espectador a refletir o que ocorreria se a cena tivesse outro desfecho.

No Azul, um acidente de carro revoluciona a história. No Branco, a decisão de puxar ou não o gatilho de uma arma determina o rumo do filme. No Vermelho, o atropelamento de um cachorro é o ponto de partida para toda a ação.

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Para Marden Machado, o polonês – que morreu dois anos depois de concluir A Fraternidade É Vermelha – conseguiu sintetizar todas as suas preocupações na Trilogia das Cores. Temas políticos e sociais – além de proezas técnicas como o uso das cores que se relacionam com os personagens e com os ambientes na narrativa – podem ser encontrados em toda sua filmografia.

As cores

De que falam os filmes da Trilogia:

A Liberdade é Azul

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Após a morte do marido, um compositor renomado, e da filha num acidente de carro, Julie (Juliette Binoche) decide revogar todas as lembranças que remetem aos dois. Desamparada, vai morar sozinha num pequeno apartamento para tentar se restabelecer.

Numa entrevista em vídeo, Andréa França, professora da PUC-RJ e estudiosa da obra de Kieslowski, analisa a liberdade incompleta de Julie – diretamente relacionada com a perda do marido e da filha. "Apesar de Julie querer desvincular-se de tudo, ela não consegue. Há a música, que durante todo o filme, perdura dentro dela e em cenas específicas. A ligação não é rompida", diz.

A Igualdade É Branca

Karol Karol (Zbigniew Zamachowski), um polonês, é casado com a francesa Dominique (Julie Delpy). Eles vivem em Paris. Após um ano de casamento, ela pede o divórcio. Ele então volta para Varsóvia, na Polônia – depois da ex-mulher bloquear sua conta na França e passar a viver como um mendigo no metrô, onde conhece Nicolai (Janusz Gajos). Posteriormente, Karol consegue ajeitar a vida e planeja uma vingança contra Dominique.

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A igualdade de Karol não está inserida na convivência com a esposa, mas na construção de uma conexão peculiar com Nicolai, personagem imprescindível no filme.

A Fraternidade É Vermelha

Valentine (Irène Jacob) atropela um cão e resolve devolvê-lo ao homem responsável por ele, um juiz aposentado (Jean-Louis Trintignant). Assim, constitui uma relação com o homem, descobrindo que ele grampeia os telefones dos vizinhos e escuta absolutamente tudo.

Aos poucos, Valentine entende a fixação dele pelos diálogos alheios. Kieslowski trabalha o conceito de fraternidade na personagem pela compreensão da necessidade do juiz, que Valentine abraça em certo momento do filme, e pela consciência.

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