A gravadora Tomato Records está lançando os dois primeiros discos que trazem o brasileiro João Carlos Martins como regente. Pianista de renome, Martins perdeu os movimentos nas mãos devido a uma série de incidentes. Foi obrigado a largar o instrumento, mas encontrou uma de não abandonar sua obsessão pela música. Mais especificamente sua paixão pelo compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685 –1750). Como pianista, ele gravou a obra completa de Bach para o teclado. Os dois CDs duplos que ele está lançando agora são uma espécie de continuação de seu trabalho anterior. Rege dois dos ciclos mais importantes de Bach para a orquestra: os seis Concertos de Brandenburgo e as quatro Suítes Orquestrais.

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A regência, para Martins, ainda é uma experiência nova. A decisão de se dedicar à nova função veio apenas quando não conseguiu mais de maneira alguma tocar. Desde 1966, quando caiu sobre uma pedra durante uma partida de futebol, o pianista já vinha tendo problemas com as mãos. Depois, veio a síndrome de movimentos repetitivos. Mais tarde ainda, já nos anos 90, ele foi vítima de um assalto em que levou várias pancadas na cabeça. Parte de seu corpo ficou paralisada com o trauma. Apesar de tudo, o músico continuou tocando. Mesmo quando precisou remover um nervo de uma das mãos, continuou tocando o piano apenas com a outra.

Há cerca de um ano e meio, Martins decidiu que a luta contra os problemas de suas mãos era vã. E passou a reger. Montou sua orquestra própria, que desde o nome é uma homenagem a seu músico favorito. A Bachiana Chamber Orchestra – ou Orquestra de Câmara Bachiana, em português – é formada por músicos brasileiros que decidiram procurar uma sonoridade nacional para a música do barroco europeu – especialmente para a música de Bach, obviamente.

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O primeiro produto do trabalho, depois de uma série de concertos, é o disco com as Suítes Orquestrais. Lançada em CD duplo, a gravação contém as quatro composições de Bach em um gênero pouco comum, mesmo para a época.

Suíte era o nome de um grupo de danças. A forma era mais comum na França. Depois de uma abertura, seguiam-se um minueto (o antecessor da valsa), uma gavota (dança rápida em compasso binário), uma bourèe, e assim por diante. Bach compôs diversas, na maioria para instrumentos-solo. Para orquestra, apenas as quatro gravadas por Martins.

O segundo CD é dedicado aos Concertos de Brandenburgo. Neste caso, Martins rege uma orquestra européia importante, a English Chamber Orchestra. Os Brandenburgo foram escritos por Bach para homenagear um nobre. Ao contrário do que acontece nos concertos românticos, não há um solista. Os músicos se revezam em executar as partes em que todos tocam em conjunto e por vezes assumem o papel de solistas. É o que se chamava na época de "concerto grosso".

Nos dois casos, Martins mantém padrões clássicos nas gravações. Não há maiores ousadias, exceto por alguns tempos excessivamente rápidos ou lentos, como no caso da abertura da Suíte 1. Nos casos em que alguns maestros decidem tomar atitudes mais arriscadas, Martins também preferiu a solução clássica. Exemplo é o terceiro concerto de Brandenburgo. To-dos os concertos da época, ou quase todos, tinham três movimentos. Bach criou duas exceções. No primeiro concerto, fez quatro. No terceiro, apenas dois. Entre o primeiro e o terceiro, deixou dois misteriosos acordes para o teclado. Há quem tente fazer disso algo mais substancioso, como para preencher o vazio deixado pela ausência de uma parte lenta. Martins faz apenas os acordes previstos e segue em frente. No fim de contas, consegue criar uma versão que não decepciona: ponto positivo para quem começou agora em uma nova função.