O Papa sabe que, quando os muçulmanos radicais se tornam maioria, eles oprimem as demais fés. Nos países muçulmanos não há concorrência igualitária por almas, corações e mentes, porque ateus, missionários e comunidades cristãs são obrigados a operar numa atmosfera de ameaça física. E, apesar, de haver muitas mesquitas em Roma, nenhuma igreja é permitida em Riad [na Arábia Saudita].
Trecho de Nômade, de Ayaan Hirsi Ali
O novo livro da somali Ayaan Hirsi Ali, Nômade, é uma montanha-russa que passa por bons e péssimos momentos.
Nos trechos interessantes, ela relata situações pitorescas ou terríveis vividas na infância africana. Conta, por exemplo, que suas dúvidas relacionadas à fé muçulmana envolviam questões legalistas ao máximo, como por exemplo: se no Ramadã, ao escovar os dentes, uma minúscula gota dágua escorre pela garganta, o jejum é quebrado? Cômica é a descrição de seus primeiros meses na Holanda, quando, ao lado de outra somali, usou quatro quintos de um empréstimo do governo destinado a mobiliar seu apartamento na compra de um carpete preto e pink de gosto duvidoso.
É interessante ainda a costura de cartas fictícias à avô, já morta, e a uma filha que deseja ter, mas elas não chegam a emocionar. Falta alguma coisa.
Em suas páginas menos inspiradas, essa pesquisadora que fugiu de um casamento arranjado e foi acolhida pelos Países Baixos (conforme relato de seu primeiro livro, Infiel), mas hoje mora nos Estados Unidos, formula um plano etéreo para combater o radicalismo islâmico.
A vaga proposta desta graduada em Ciências Políticas pela Universidade de Leiden, na Holanda, é que as correntes cristãs se unam num novo esforço de proselitismo para retomar ao menos o direito de abrir igrejas em países islâmicos.
Além disso, a autora critica a postura da imprensa americana e europeia, que, segundo ela, minimiza a crueldade de crimes cometidos pela honra dentro de grupos religiosos de seus países como se fossem menos graves por estarem inscritos numa tradição.
Sem meias palavras, ela usa muitas linhas para declarar a cultura ocidental superior à islâmica. A ideia em si não é o problema e, de fato, é necessário apontar a negligência dos defensores da democracia quando o assunto são as violências e abusos cometidos em nome da preservação do multiculturalismo, seja em vilarejos da Ásia ou num apartamento de imigrantes em Nova York.
Por causa de opiniões como essa, Ayaan chegou a ser ameaçada de morte. Num crime que chocou os holandeses em 2004, o cineasta Theo van Gogh, com quem ela denunciava a condição de mulheres oprimidas pela religião, foi esfaqueado. Presa ao corpo do diretor morto, uma carta avisava que Ayaan seria a próxima vítima.
Mesmo nos EUA, para onde ela se mudou após uma polêmica relacionada ao seu processo de imigração na Holanda país onde chegou a ocupar uma cadeira no parlamento , a autora ainda precisa andar cercada por guarda-costas em suas peregrinações pelas universidades, onde fala sobre o que considera ser a ameaça do Islã (e onde é recebida com desprezo por boa parte dos estudantes muçulmanos nascidos nos EUA). GG
Serviço:Nômade, de Ayaan Hirsi Ali. Tradução de Augusto Pacheco Calil. Companhia das Letras, 232 págs. Preço médio: R$ 37. Não ficção.
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