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Ilustração da mulher e do homem retirados do cartaz do filme Nástup | Reprodução
Ilustração da mulher e do homem retirados do cartaz do filme Nástup| Foto: Reprodução

SDV

Sistema Direto de Vendas (SDV) é o termo que legalmente nomeia a comercialização dos produtos feita por revendedores, baseado no contrato pessoal entre vendedores e compradores, fora de um estabelecimento comercial fixo. O SDV baseia-se na ausência de vínculos empregatícios, pois são reconhecidos juridicamente como "vendedores ambulantes". O Brasil tornou-se um dos mercados mais profícuos para essa relação de trabalho, e é hoje o quarto maior país no SDV, atrás dos Estados Unidos (1º), Japão (2º) e China (3º). O SDV também assume diferentes faces: complemento de renda familiar, ocupação alternativa diante da rotatividade no mercado de trabalho e um trabalho que não coloque em xeque o jogo do papel familiar feminino tradicionalmente estabelecido. É, portanto, uma forma de a mulher assumir mais um trabalho, mas "sem trabalhar".

1,3 Milhão

É a quantidade de revendedoras da Natura no Brasil. Desde 2007, a cada ano, pelo menos 200 mil novas profissionais entram neste mercado.

4 milhões

É o número aproximado de pessoas que trabalham como vendedores para diferentes marcas, como Avon, Mary Kay, entre outras. No mundo, são cerca de 95 milhões.

5%

ou menos, é o porcentual de homens presentes na força de trabalho de consultores na área de beleza no Brasil.

Livro

Sem Maquiagem – O Trabalho de um Milhão de Revendedoras de Cosméticos

Ludmila Costhek Abílio. Boitempo Editorial, 240 págs; R$ 34.

Falta de reconhecimento, instabilidade e ausência de limites sobre o que é ou não é trabalho. Essas são algumas características facilmente aplicáveis no mundo corporativo, mas são ainda mais gritantes numa categoria numerosa como um exército, mas que parece invisível: as revendedoras de cosméticos.

INFOGRÁFICO: Veja como trabalha uma revendedora da Natura

Hoje, estima-se que, no Brasil, cerca de 4 milhões de pessoas, a maioria formada por mulheres, se dediquem ao ofício – muitas vezes levado em paralelo com um trabalho formal ou com outro informal.

Foi esse o "bico" que apareceu como um dos mais populares quando a pesquisadora Ludmila Costhek Abílio estudou, no mestrado em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, os beneficiários de programas sociais da prefeitura de São Paulo e a geração de renda na periferia. Ela decidiu então que, no doutorado, pesquisaria o trabalho sem o estatuto de trabalho. Olhando ao redor, ela se deu conta de quantas mulheres se dedicavam ao ofício, sobretudo para a marca brasileira Natura.

A ampla pesquisa de campo de Ludmila deu origem ao livro Sem Maquiagem – O Trabalho de um Milhão de Revendedoras de Cosméticos (Boitempo), baseado na tese de doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O estudo que deu origem ao livro foi vencedor do prêmio Mundos do Trabalho, da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet), e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e tentou responder a uma pergunta: por que há tantas revendedoras no país?

"Essa foi a pergunta central", diz Ludmila, que traçou no levantamento o retrato socioeconômico que representa esse 1 milhão de mulheres do título do livro que se dedicam a vender os produtos da Natura. Foi quando veio a primeira surpresa: o perfil delas é heterogêneo.

Delegada

Trabalham na atividade mulheres com as mais variadas formações e poderes aquisitivos, como faxineiras, professoras, donas de casa, mulheres de executivos e até uma delegada da Polícia Federal. Em São Paulo, existe até revendedoras do setor Crystal, que são da elite paulistana e circulam pela capital e por cidades da região, como Campos do Jordão, para "vendas especiais".

"Isso é muito interessante e explica esse número absurdo de revendedoras", diz Ludmila. De acordo com ela, de 2007 a 2011, foram 200 mil novas vendedoras por ano só para a Natura. Uma das explicações para esse crescimento é o aquecimento do mercado de beleza: no primeiro semestre de 2014, o setor de cosméticos e beleza registrou R$ 19,5 bilhões de faturamento, segundo informações da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), um crescimento de mais de 12% em comparação com 2013.

Outro fator que explica o montante, e também reflete diversas áreas e atividades, é o engajamento no trabalho, afirma Ludmila. "As pessoas estão cada vez mais dispostas a trabalhar mais, de formas menos reconhecidas. Há uma certa perda de limites para o trabalho e vivemos essa precarização no Brasil", diz.

Ludmila lista uma série de questões e problemas, como a jornada de oito horas diárias de trabalho.

"Ela [a jornada] é muito maior na prática, pois não existe uma distinção entre o que é ou não é tempo de trabalho, e ele acaba ocupando o tempo livre. Quando você, por exemplo, checa e-mails da empresa em casa", afirma.

Pausas

Além disso, há uma intensificação: é necessário produzir mais no menor tempo possível. Cada vez mais convive-se com um número menor de poros de trabalho, definição de Marx para as pausas na jornada. E o que esses conceitos têm a ver com vender produtos da Natura?

"É que esse ‘não trabalho’ é feito no tempo livre: na minha casa, em uma festa... A revendedora chega de sua jornada e precisa fazer os pedidos. Ela preenche os poros de tempo livre com outras atividades", diz a pesquisadora, que, na obra, traz o relato de uma consultora com experiência de 20 anos, professora de Ensino Fundamental, que diz que não é preciso "fazer nada" para que as vendas ocorram. Esse "nada", na verdade, inclui todo o ciclo de vendas, desde a distribuição do catálogo até a entrega final do produto e cobrança.

Vendas x consumo

Ludmila explica que a dinâmica adotada para comercializar os produtos é o Sistema Direto de Vendas (SDV), que nomeia legalmente a comercialização de produtos por revendedores. E é uma prática mundial, utilizada por marcas como Avon, Herbalife, Mary Kay, entre outras. "Juridicamente, é uma relação de serviço de compra e venda, e está bem embasada, pois não há necessidade de jornada nem local de trabalho definidos, ou algum tipo de exclusividade", explica.

A segurança jurídica, entretanto, não minimiza a ambiguidade na relação dessas mulheres com a empresa, que transfere todos os riscos para a consultora: além da informalidade, não há, por exemplo, nenhuma garantia de rendimento, e o "sucesso" depende unicamente da vendedora. E ela pode, inclusive, adquirir dívidas com a empresa, que as encoraja, por meio de promoções, a investir em estoques que muitas vezes não são comercializados.

Elas também precisam lidar com a inadimplência dos clientes, pois as vendas são feitas no boca a boca, com o pagamento sendo feito somente após a chegada da mercadoria, o que aumenta a chance de elas não serem pagas. Do valor recebido do cliente, a consultora retém 30% de comissão e paga os outros 70% para a Natura. Logo, são elas que pagam para a empresa e não o contrário.

Aparência

Outro fator que extrapola os limites do trabalho e vai para o consumo é que várias revendedoras também optam por comprar cremes, maquiagens, e testá-los, como forma de conhecer melhor o produto e, por consequência, vendê-lo melhor. No livro, Ludmila relata que algumas entrevistadas declaram que precisam estar "bonitas e arrumadas" , para serem "a cara da Natura". A boa aparência, acreditam, melhoram as vendas, cuja concorrência é cada vez maior.

Gênero

Menos de 5% da força de trabalho de vendas é composta por homens. O dado, ressalta Ludmila, traduz a falta de uma identidade histórica do trabalho bem definida para as mulheres. "É um trabalho tipicamente feminino porque a mulher sempre lidou com a falta de direitos e de reconhecimento. As mulheres desempenham uma série de atividades para se manter e sustentar a família. Enquanto o homem tem uma trajetória profissional mais definida."

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