Internacional
Peças de fora do país são marca forte
Com 43 anos de estrada, o Filo tem tradição em trazer bons espetáculos internacionais a Londrina. Neste ano foram 12, com destaque para Teatro Delusio, espetáculo alemão com máscaras e mímicas, sem falas, que encantou pela abordagem que faz de metateatro o cenário transporta a plateia para as coxias enquanto o grupo se apresenta para outro público imaginário.
O grupo Bambalina, de Valencia, na Espanha, trouxe um Quijote com bonecos de madeira e cortiça de 20 anos de idade, que já rodaram meio mundo levando o drama do cavaleiro louco de La Mancha. Agora, acrescentaram Londrina à longa lista de cidades onde já deixaram sua marca, impressa no programa entregue na entrada da apresentação.
A história das participações internacionais do Filo conta com nomes de peso. O mestre do butô, dança fúnebre-expressionista japonesa, Kazuo Ohno (morto ano passado), passou pelo Filo em 1992, com o espetáculo Water Lillies. Aproveitou para transitar com simplicidade pelas ruas dessa cidade de forte imigração nipônica.
As ruas daqui estão acostumadas a essa internacionalização. Em 1994, o grupo Générik Vapeur trouxe atores franceses para o centro da cidade com Bivouak.
Outro destaque do Filo é o posicionamento político que teve desde o início, a começar pelo ano inaugural, 1968, em plena era das contestações estudantis. Anos depois, isso se traduziu em iniciativas de integração regional, como a participação de seus organizadores na criação de uma rede latino-americana de teatro e a realização de mostras latinas já em 1987. (HC)
Entrevista: Nitis Jacon, médica e fundadora do Festival Internacional de Londrina
Gosto de dizer que o Filo não é um evento, é um processo. Às vezes tem dificuldades, bambeia de um lado ou de outro, mas o conceito continua o mesmo. Não acontece em um momento do ano e depois acaba. Desde o começo, ele se preocupou em manter a cena de teatro da região, criando grupos, viajando, ou fazendo oficinas no meio do ano, e com isso mantendo uma atividade anual, com gente de outras cidades se comunicando e discutindo com grandes personagens do teatro nacional, muitas vezes internacional.
Muitos londrinenses lamentam a "perda" de seus mestres do teatro, como Mário Bortolotto, que há anos levou sua companhia Cemitério de Automóveis para a paulistana Praça Roosevelt, e Paulo de Moraes, que comanda o Armazém no Rio de Janeiro.
Mas uma análise da grade do Festival Internacional de Londrina, encerrado no último domingo, revela a profusão de grupos locais mantidos durante a entressafra, e uma tentativa de resistência ao "canto das sereias" do eixo Rio-São Paulo.
Um dos resultados disso foi a montagem de Medusa de Rayban, texto de Bortolotto de 1996 (ano em que ele deixou Londrina), que estreou em março na cidade, com direção de Maurício Arruda e supervisão de Paulo de Moraes, e que voltou ao cartaz durante o Filo.
"Quisemos trazer esses grandes nomes para que qualquer pessoa de Londrina tivesse a oportunidade de trabalhar com eles", conta o assistente de direção e protagonista Sérgio Mello.
O que não foi sinônimo de amadorismo, já que a escolha do elenco foi feita com rigor por Paulo, que fez boas opções com pessoal local, a maior parte com poucos anos de carreira e bastante talento.
Adriano Gouvella, há cerca de dois anos nos palcos, dá um banho em ator que sempre representa igual. Fica difícil acreditar que a mesma pessoa faz o destemido matador de aluguel Baby Face e o garotinho mimado Haroldo, com sua franja irritante sobre os olhos. Mas os dois são criação dele.
Entre os londrinenses veteranos, a entrada de Mário Fragoso, do extinto grupo Proteu, deu estrutura ao trabalho. Os 20 anos fora dos palcos talvez tenham melhorado a atuação desse jornalista, que se sai muito bem nos papeis de um pai letrado, um motoqueiro velho e uma prostituta. Entrega textos com uma naturalidade atípica, um sinal de que um afastamento do meio teatral às vezes faz bem.
"O bom resultado se deveu muito ao desempenho dos atores", considera o diretor Maurício Arruda Mendonça.
O futuro próximo da peça está certo, com incursões a cidades próximas, mas ainda sem previsão de chegada a Curitiba. Depois, "a idéia é que a gente consiga ficar trabalhando sempre aqui", promete Sérgio Mello.
Pesquisa
Apesar de a fama ter tocado alguns nomes que saíram da cidade, a tradição de teatro de vanguarda de Londrina que remonta à década de 60 e aos grupos Proteu e Delta, que ainda conferem renome a quem passou um dia por eles nunca deixou de existir.
Diversos grupos mantêm experimentos de investigação teatral ao longo do ano por aqui.
"A herança do gene da arte e da cultura impregnou outras gerações", contou a fundadora do Filo, Nitis Jacon, à Gazeta do Povo (leia entrevista nesta página).
Isso se mostra nos números da grade: 14 das 37 peças da mostra nacional deste ano eram de Londrina.
O grupo Caos & Acaso, também conhecido pelo sugestivo nome de Fábrica de Teatro do Oprimido, apresentou Dias Contestados, com uma leitura da insurreição ocorrida entre Paraná e Santa Catarina no início do século 20. O curso de Artes Cênicas da UEL surpreendeu com uma versão de Perseguição e Morte de Jean-Paul Marat, e o Teatro TOU fez Lullaby, com fragmentos de textos de Ítalo Calvino e José Saramago, entre outros.
Dos grupos de rua e clown, fortes na cena local, o recente Ás de Paus foi recebido de volta de turnê patrocinada pelo Sesi com A Pereira da Tia Miséria como prata da casa. "Somos todos daqui e queremos nos aprofundar nas referências do teatro de rua", conta o ator Rogério Costa.
Grupos que faltaram nesta edição do festival não necessariamente esfriaram. O Boca de Baco mantém há dez anos um núcleo de investigação que busca formar novos atores locais. "Nascemos do Filo e hoje oferecemos oficinas ao longo do ano", contam os integrantes Jackeline Seglin e Renato Forin Jr.