Michael Chabon lidera nos Estados Unidos algo como uma cruzada em nome da literatura de gênero. Organizou antologias de contos de suspense e aventura, além de publicar uma coletânea de textos, Maps and Legends, inédita no Brasil, defendendo histórias de fantasmas e em quadrinhos estas foram tema também do seu romance As Aventuras de Kavalier e Clay (Record), vencedor do Prêmio Pulitzer em 2001.
Com Associação Judaica de Polícia, recém-lançado pela Companhia das Letras, o gênero da vez no radar de Chabon é o romance policial, em particular os escritos por Raymond Chandler e Dashiell Hammett.
Logo na primeira página da narrativa, o detetive Meyer Landsman tipo claramente inspirado em figuras como Sam Spade e Philip Marlowe (ambos encarnados no cinema por Humphrey Bogart) é acordado pelo gerente noturno do hotel onde vive porque alguém acabou de matar a tiros o homem do quarto 208, um judeu de nome Emanuel Lasker.
Na cena do crime, há apenas um tabuleiro vagabundo de xadrez com um jogo em andamento.
O assassinato é o ponto de partida para uma série de conexões suspeitas que o investigador destrincha eventos que envolvem a máfia judaica e até um possível messias (filho de um rabino, o tal Lasker é um gênio do xadrez, aluno brilhante e dizem, tem o poder de cura).
Seria um romance policial sem grandes sacadas se Michael Chabon não fosse um escritor peculiar. Do tipo que se dedica a criar mundo paralelos com história, geografia e até uma língua própria. Algo semelhante ao que fez J.R.R. Tolkien, criador de O Senhor dos Anéis, mas sem os hobbits.
Landsman faz o tipo incrédulo que tolera dois estados de espírito: trabalhando ou morto. Ele atua na cidade de Sitka, um dos 27 distritos do Alasca que, na realidade do livro, virou um refúgio para os judeus que foram expatriados depois que uma coalizão árabe os expulsou de Israel. Isso foi em 1948.
Sessenta anos mais tarde, os Estados Unidos esperam reaver as terras alasquianas, criando uma situação de crise em toda a comunidade judaica de Sitka, que não tem para onde ir. "É uma época estranha para ser judeu", diz um dos personagens uma frase repetida várias vezes ao longo da história.
A ideia para o romance surgiu quando Chabon encontrou um dicionário para viajantes que ensinava frases-chave em iídiche (dialeto alemão falado por judeus do Centro e do Leste da Europa). O curioso como observou o escritor em várias entrevistas é que não existe um país em que o iídiche seja a língua oficial. Ou não existia, já que agora ele pode ser visitado, com detalhes impressionantes, nas páginas de Associação Judaica de Polícia.
Cinema
Michael Chabon é autor de Garotos Incríveis, adaptado ao cinema por Curtis Hanson, com Michael Douglas e Tobey Maguire no elenco. É uma comédia sobre personagens que são levados pela vida até o dia que são obrigados a reagir para não serem esmagados por ela.
O próprio Chabon escreveu o roteiro de As Incríveis Aventuras de Kavalier e Clay, a ser realizado por Stephen Daldry (outro cineasta "literário", diretor de As Horas e O Leitor).
Os irmãos Joel e Ethan Coen, de Queime Depois de Ler e Onde os Fracos Não Têm Vez, devem transformar Associação Judaica de Polícia em filme.
Serviço
Associação Judaica de Polícia, de Michael Chabon. Companhia das Letras, 472 págs., R$ 58.
"Landsman passou nove meses enfurnado no hotel Zamenhof sem que um único residente conseguisse ser assassinado. Mas eis que acabavam de estourar os miolos do ocupante do quarto 208, um yid (judeu) que se apresentava como Emanuel Lasker. (...) O gerente noturno é um antigo fuzileiro que se livrou da heroína nos anos 60, depois de voltar da carnificina da guerra cubana. Tem uma preocupação maternal com a população adicta do Zamenhof. Dá-lhes crédito e garante que sejam deixados sozinhos quando é disso que precisam."
Trecho de Associação Judaica de Polícia, de Michael Chabon, tradução de Luiz A. de Araújo.
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