Um ritmo quase industrial toma conta do trabalho de João Luiz Fiani. Diretor, ator, produtor, professor, dono de teatro e presidente de sindicato, ele contabiliza 50 espetáculos montados apenas em 2005 – entre peças profissionais e amadoras. Nada mal para quem queria ser engenheiro naval e se inscreveu no curso do Guaíra, em 1979, só para acompanhar uma prima.

CARREGANDO :)

Figura das mais polêmicas da cena cultural curitibana, Fiani, de 42 anos, vive entre a cruz e a espada. Para manter os espaços do Edson D’ávila e do Lala Schneider (este último o primeiro teatro particular do Paraná), escreve e encena textos de puro besteirol. Com suas comédias populares, invoca a ira de boa parte do meio cultural, mas atrai o chamado público "médio", que costuma lotar sessões de peças como Eu Quero Sexo e A Casa do Terror (em cartaz há cerca de dez anos). Paralelamente, dedica-se a projetos de ordem, digamos, mais artística, como a recente versão do clássico Navalha na Carne (em que atuou ao lado de Regina Vogue) e o ainda inédito Vampiro contra Curitiba (baseado em contos de Dalton Trevisan). Confira a seguir os melhores momentos de uma entrevista realizada com Fiani na semana passada, pouco antes do início dos ensaios de seu novo espetáculo.

Você se incomoda além da conta quando chamam seus espetáculos de "caça-níqueis"?Sinceramente, não estou preocupado com isso. Porque ninguém paga as minhas contas, as contas do elenco, do teatro. É muito fácil criticar. Mas deixem que falem. Quanto mais falarem, melhor. Às vezes, fico chateado não por mim, mas pelas pessoas que trabalham ali, que suam a camisa para que o público se divirta. Como se fosse um crime fazer comédia.

Publicidade

Mas as críticas não vêm do fato de você fazer comédia, e sim de uma certa tendência de explorar o sexo...É uma pena, porque as pessoas não vão ver e saem falando. E quem vai ver, vai com preconceito. O maior exemplo que dou é o do dr. Jairo Bauer (médico, sexólogo, apresentador de programas de tevê sobre sexualidade). Ele sempre diz para todo mundo que a melhor peça que viu para educação sexual no Brasil é Eu Quero Sexo (que causou polêmica no Festival de Teatro de Curitiba de 2004). Isso é omitido pela imprensa, não sei por quê. A pesquisa da peça surgiu das necessidades dos próprios atores jovens. Durante os laboratórios, eu perguntava qual era a maior dificuldade que eles tinham na vida. Cerca de 90% das dúvidas, dúvidas que a gente acha bobas, eram sobre sexo. Até o cara da Folha de S. Paulo falou que a gente fez uma cena sobre masturbação que era ultrapassada. Como se as pessoas não se masturbassem hoje, só quando ele era adolescente. A peça é uma brincadeira para adolescente discutir sexualidade. Mas tem gente que lê o título e acha que é picante, pornográfico. Não tem nada isso. Desafio qualquer um que tenha visto que fale alguma coisa.

Como dono de teatro, você tem a concorrência dos teatros do estado e do município. É mais fácil emplacar um espetáculo em um espaço público ou particular?Esse é um pensamento que a gente está conseguindo mudar aos poucos. Você pode fazer, por exemplo, um espetáculo no Guaíra, onde você não paga taxa nenhuma, ou bem irrisória. Mas será que você vai ter condições de ficar em cartaz por mais de quatro semanas? No Lala, se você estiver indo bem de público, pode ficar um ano inteiro em cartaz. Porque é a visão de empresário. Ainda existe essa maneira errada de encarar o teatro. Eu digo que em Curitiba existem três tipos de teatro. O amador, o profissional e o oportunista, que é aquele que as pessoas fazem quando têm a oportunidade da lei de incentivo. E esse teatro oportunista vai usar o espaço que está livre na época, vai fazer a peça de acordo com o elenco que está disponível, vai fazer o tempo que o teatro oferecer. Essas pessoas não têm um planejamento anual de produção. E essa é uma das questões que eu discuto sempre, quando se fala na falta de público no teatro paranaense. Porque o público não vai ao teatro com a freqüência necessária para conhecer os nossos atores, diretores e assim por diante.

E qual seria o cenário ideal?Acho que a imprensa tem papel fundamental nesse processo. Mas você não tem muito espaço nos veículos porque a publicidade não está interessada no meio cultural. Se os patrocinadores anunciassem mais nos jornais, por exemplo, os cadernos de cultura teriam mais páginas e poderiam publicar mais matérias sobre peças, diretores, atores. A gente fica cobrando apoio dos veículos, mas os veículos também não têm como se manter sem publicidade.

Então o problema do teatro local está apenas na falta de divulgação?Eu acho que sim. Dou aula de produção e digo para as pessoas que, para fazer uma boa peça de teatro, você deve prestar atenção nos quatro "pês" básicos do marketing. No nosso caso, o "pê" de produto é a peça, o ponto de venda é o teatro, o preço é o do ingresso e ainda há promoção. Onde a gente esbarra? Na promoção, porque não temos dinheiro para mídia, para divulgar legal os espetáculos. Por que tem tanto público no Festival de Teatro? Porque tem muita divulgação, e o pessoal se motiva a ir.

Como você avalia o impacto da Lei de Incentivo Municipal a Cultura?Quando não tinha a lei, eu produzia com mais tranqüilidade. Conseguia apoio de empresas, material gráfico, tecidos, madeira... Com o advento da lei, isso acabou. Você tem de comprar tudo, não consegue mais apoio de graça ou coisas mais baratas. Porque todo mundo sabe que existe a Lei de Incentivo, então as pessoas passam a esperar aquele dinheiro. Outro ponto: gente picareta existe em qualquer lugar, em todas as áreas. E o que falta na lei é uma fiscalização, um acompanhamento maior dos projetos. Isso tinha de partir da prefeitura, da Fundação Cultural. Na hora em que você aprova um projeto e pega R$ 50 mil, a prefeitura deveria ter um auditor, um representante do Ministério Público para fiscalizar. "Quanto foi gasto em cenário, R$ 4 mil? Mas só tem um sofazinho em cena!". Se a fiscalização fosse mais efetiva, talvez esses erros não tivessem acontecido, talvez tivessem levado a lei mais a sério. Mas, fazendo uma análise desses 12, 13 anos de lei, acho que ela foi bem, melhor do que a gente esperava.

Publicidade

Você defende o mérito, a qualidade, como principal elemento a ser levado em consideração na aprovação de um projeto pela lei?Agora é assim. Mas eu acho errado, porque você cerca a cultura. Imagine se um curador da época de Molière, Shakespeare e Nelson Rodrigues, que foram foram muito criticados, fossem avaliar um projeto deles para uma lei de incentivo? Você acha que seriam aprovados? Aí você cai no particular, no gosto pessoal. E cultura não pode ter gosto, a gente tem de ser democrático. É o público que deve dizer se aquele produto é bom ou ruim. A gente tem uma coisa que eu chamo de miopia da contemporaneidade. Você não consegue avaliar quem é quem na sua geração. São as gerações futuras que vão avaliar. Por isso, acho que o mérito é muito perigoso, preferia que o mercado regulasse. O mérito que pode existir é o de carreira, de tempo de teatro, o que a pessoa já fez. Mas sem fechar as portas para quem está começando, porque senão ninguém começa.

Qual seu projeto mais ambicioso para o futuro?Quando eu falei, anos atrás, que queria ter o meu teatro, me chamaram de louco. Então talvez me chamem de louco agora, porque quero fazer um centro cultural profissional de teatro. Queria ter o espaço de um prédio de seis andares, com três teatros, uma academia de teatro. Com todos os tipos de espetáculo, cursos, exposições, estacionamento, shopping... Acho que existe público para isso.

Mas esses são os planos do empreendedor. E do artista?No momento, é essa peça do Dalton Trevisan que eu começo a ensaiar agora. As pessoas confundem um pouco, acham que o Fiani só faz teatro de entretenimento. Eu sou obrigado a fazer teatro de entretenimento para sobreviver, para o teatro Lala Schneider sobreviver. Mas eu, enquanto artista, também tenho minhas vontades, meus objetivos. E esse espetáculo é um objetivo de carreira que eu tinha há muitos anos. Também quero voltar a atuar cada vez mais. Porque minha parada é atuar, faço teatro amador desde os 15 anos. Tanto que só comecei a dirigir quando completei 12 anos de carreira, porque sem a experiência de subir no palco e atuar a gente não consegue fazer nada.