Beyoncé e “Lemonade” estão dando muito que discutir para pesquisadoras feministas.
Se um ícone da cultura pop ostenta sua beleza e sua sexualidade, isso faz dela uma feminista empoderada – ou uma agente involuntária do patriarcado?
O ícone em questão, neste caso, é Beyoncé. Desde que se tornou famosa, feministas têm debatido o feminismo da Queen Bey: ela está pressionando por progresso? Divulgando a sua marca? Ambos? (A própria Beyoncé inicialmente resistiu ao rótulo de “feminista”, então o reivindicou, com intensas luzes brancas durante sua apresentação no Video Music Awards da MTV em 2014.)
Na sequência do lançamento recente do aclamado álbum visual de Beyoncé, “Lemonade” – saudado como um poderoso retrato do ser mulher negra, da infidelidade e da redenção – as ativistas feministas Bell Hooks e Janet Mock ofereceram visões conflitantes a respeito da maneira como o vídeo de uma hora retrata mulheres.
Invisibilidade e estetização
Hooks – uma célebre pesquisadora que uma vez declarou que Beyoncé era uma “terrorista” depois que ela posou de lingerie para a capa da revista Time – publicou, segunda-feira, um ensaio cheio de nuances em que encontrou algumas razões para louvar o mais recente esforço da estrela da música.
“É o amplo escopo da paisagem visual de ‘Lemonade’ que o torna tão distinto – a construção de uma irmandade de mulheres negras poderosamente simbólica que resiste à invisibilidade, que se recusa a permanecer em silêncio”, escreveu Hooks. “Isso por si só não é um feito pequeno – muda o olhar da cultura branca mainstream. Desafia-nos a lançar um novo olhar, a revisar radicalmente a maneira como vemos o corpo de mulher negra.”
Ainda assim não foi exatamente uma resenha de exaltação. Hooks também notou a apresentação “completamente estetizada” da forma feminina no projeto de Beyoncé, e questionou se o álbum faz qualquer coisa para resolver os desafios enfrentados por mulheres negras: “simplesmente exibir lindos corpos negros não cria uma cultura justa de bem estar ótimo na qual mulheres negras possam se tornar totalmente autorrealizadas e serem verdadeiramente respeitadas”, escreveu Hooks.
Beleza e seriedade
A crítica de Hooks provocou uma resposta imediata da escritora e ativista transexual Mock, que aproveitou a oportunidade para abordar uma questão chave subjacente: a percepção da mulher “femme” – aquelas que, como Beyoncé, se apresentam como tradicionalmente femininas – no movimento feminista negro.
“Precisamos ir além da polêmica retórica de ‘Bell versus Beyoncé’ e discutir a desconsideração de feministas negras femme”, Mock escreveu no Twitter e em sua página no Facebook.
Mock argumentou que a descrição de Hook das mulheres em Lemonade – seus “cabelos grandes”, seu visual de “fetiche de catálogo de moda” – são frases que “exalam reprovação do glamour, da feminilidade e de representações femme”, escreveu Mock. “Ecoa a desconsideração de femmes como menos sérias, em colusão com o patriarcado, meramente usando seus corpos em vez de seus cérebros para vender, serem vistas, sobreviverem. Temos de parar com isso. Todas nós.”
Nossos corpos ‘bem vestidos’ e ‘cabelos grandes’ não nos tornam nem um pouco menos sérias
Em outras palavras: Bey não deveria receber o olhar reprovador apenas porque escolhe abraçar sua beleza convencional.
“Nossos corpos ‘bem vestidos’ e ‘cabelos grandes’ não nos tornam nem um pouco menos sérias”, escreveu Mock. “A maneira como nos apresentamos não é medida da nossa credibilidade. Essas hierarquias de respeitabilidade que gerações de feministas internalizaram não nos salvaram do patriarcado.”
“Terrorista”
Hooks e Mock são amigas, notou Mock, mas elas já se bicaram publicamente no passado. Em 2014, ambas participaram de um painel de discussão na New School, uma universidade em Nova York, a respeito da maneira como mulheres de cor são retratadas na mídia, um debate que levou Hooks a descrever Beyoncé como uma “terrorista”.
A observação foi em resposta à controversa capa da revista Time que Beyoncé estampou em 2014: ao lado da manchete proclamando-a uma das 100 pessoas mais influentes de acordo com a revista, Beyoncé posou de calcinha e sutiã brancos, seu lábios entreabertos, seu olhar provocador. Hooks não aprovou.
Mock argumentou que Beyoncé tinha controle absoluto sobre sua persona pública e sobre a imagem escolhida para a capa, e que sua autoridade deveria ser respeitada: “não quero privar Beyoncé de sua agência, de escolher essa imagem – de ser sua própria chefe”, disse Mock.
Vejo uma parte de Beyoncé que é na verdade antifeminista, que está agredindo, que é uma terrorista, especialmente em termos do impacto que têm sobre garotas jovens
Hooks respondeu que isso apenas significava que Beyoncé era uma cúmplice em sua própria exploração.
“Então você está dizendo, do meu ponto de vista desconstrutivista, que ela está em colusão com a construção de si mesma como uma escrava”, disse Hooks. “Vejo uma parte de Beyoncé que é na verdade antifeminista, que está agredindo, que é uma terrorista, especialmente em termos do impacto que têm sobre garotas jovens.”
À época, outras feministas de cor discordaram fortemente – inclusive Brittney Cooper, uma professora na Universidade de Rutgers e cofundadora do blog Crunk Feminist Collective.
“Ela põe adiante o argumento ‘e as crianças?’ como uma forma de policiar a maneira como Beyoncé estiliza e apresenta seu corpo”, Cooper disse sobre Hooks, de acordo com o site de notícias Fusion. “Mulheres negras deveriam ser capazes de serem publicamente maduras e sensuais sem sofrer a acusação de que nossa sexualidade é prejudicial, especialmente para crianças.”
Mock ecoou esse sentimento segunda-feira, argumentando que Beyoncé – e qualquer mulher – deveria ser levada a sério independentemente da maneira como se apresenta. “Femmefobia”, disse, “tem de ser abolida dos nossos espaços, das nossas teorias e das críticas que fazemos umas das outras e dos trabalhos umas das outras.”
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