Pesquisadores em Timbuktu estão lutando para preservar dezenas de milhares de textos da antiguidade que, segundo eles, comprovam que a África tem uma história escrita pelo menos tão antiga quanto a da Renascença européia.
Bibliotecas privadas e públicas na legendária cidade do Saara malinês já colecionaram 150 mil manuscritos em estado frágil, muitos deles do século 13, e historiadores locais acreditam que muitos outros ainda estão enterrados sob a areia.
Os textos foram guardados debaixo de casas de barro e em cavernas no deserto por famílias malinesas cujas gerações sucessivas temeram que eles pudessem ser roubados por invasores marroquinos, exploradores europeus e, mais tarde, colonialistas franceses.
Escritos em caligrafia adornada, alguns dos textos eram usados para ensinar astrologia ou matemática, enquanto outros trazem relatos sobre a vida social e comercial de Timbuktu em sua chamada "era de ouro", no século 16, quando a cidade era centro de estudos e conhecimentos.
"Esses manuscritos tratavam de todos os campos do conhecimento humano: direito, ciências, medicina", disse Galla Dicko, diretor do Instituto Ahmed Baba, uma biblioteca que abriga 25 mil dos textos.
"Este, por exemplo, é um tratado político", disse ele, apontando para um texto mastigado por cupins e com suas orelhas dobradas, protegido por vidro em um armário. "É uma carta sobre a boa governança, um aviso aos intelectuais para não se deixarem corromper pelo poder dos políticos."
As estantes da biblioteca contêm um volume sobre matemática e um guia de música andaluza, além de histórias de amor e correspondências trocadas por comerciantes que percorriam as rotas de caravanas transaarianas.
Apenas recentemente é que as famílias mais importantes de Timbuktu começaram a entregar às bibliotecas os textos que consideram seus legados ancestrais. Estão sendo convencidas pelas autoridades locais de que os manuscritos devem fazer parte da herança cultural de toda a comunidade.
"É por meio destes escritos que podemos conhecer nosso lugar real na história", disse Abdramane Ben Essayouti, imã da mais antiga mesquita de Timbuktu, Djingarei-ber, construída em 1325 de madeiras e tijolos de barro.
Especialistas acreditam que os 150 mil textos recolhidos até agora representam apenas uma fração do tesouro escondido sob séculos de pó atrás das ornamentadas portas de madeira das residências de Timbuktu.
"Tudo isso é apenas 10 por cento do que possuímos. Acreditamos que há mais de 1 milhão de textos enterrados aqui", disse Ali Ould Sidi, funcionário governamental responsável pela administração dos sítios de Patrimônio Cultural Mundial de Timbuktu.
Alguns acadêmicos dizem que os textos vão obrigar o Ocidente a aceitar que a África tem uma história intelectual tão antiga quanto a sua. Outros traçam comparações com a descoberta dos manuscritos do Mar Morto.
Entretanto, à medida que cresce a fama dos manuscritos, aumentam os temores de que os textos que sobreviveram à ação de cupins e do calor extremo ao longo de séculos possam ser vendidos a turistas a preços extorsivos ou levados ilegalmente para fora do país.
A África do Sul lidera a "Operação Timbuktu", que visa proteger os manuscritos. Para isso, o país financiou a construção de uma biblioteca nova para o Instituto Ahmed Baba, cujo nome se deve a um contemporâneo de William Shakespeare nascido em Timbuktu.
Os Estados Unidos e a Noruega estão ajudando na preservação dos manuscritos, que, de acordo com o presidente sul-africano, Thabo Mbeki, vão "restaurar o respeito próprio, o orgulho, a honra e a dignidade do povo africano".
A população de Timbuktu tem esperanças semelhantes. No século 16, 25 mil acadêmicos estudavam nas universidades da cidade, mas seu ritmo de vida lânguido foi ultrapassado pela modernidade.
Um provérbio local diz que "as nações formavam uma fila única, e o Timbuktu estava à sua frente. Mas um dia Deus descreveu meia-volta, e Timbuktu se viu no fim da fila".
"Talvez um dia Deus faça outra meia-volta para que o Timbuktu possa retornar a seu lugar de direito", conclui o ditado.
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