“Acho que o pedivela está solto. Tem uma chave aí pra apertar?”, pergunta um garoto enquanto deita a magrela na entrada da Bicicletaria Cultural. Ao mesmo tempo, colaboradores passam pelos cômodos coloridos da casa carregando caixas de som como se fossem bebês e aí testam microfones para que a apresentação da banda E2 saia nos conformes. Uma jornalista retira a bicicleta que deixou ali antes de ir trabalhar; a artista plástica Margit Leisner, que pilota a Galeria Farol, anexa à Bicicletaria, reclama da falta de matérias “locais” neste Caderno G. Durante 40 minutos, tempo da entrevista com Patrícia Valverde, sócia do espaço, o telefone toca seis vezes. “É muito vivo e orgânico”, explica. “E é sempre assim.”
A Bicicletaria Cultural comemorou quatro anos de vida no último dia 19. Localizada na nascente da Rua São Francisco, em frente à Praça de Bolso do Ciclista, a movimentada portinha tem importância fundamental na reocupação da região, então símbolo do êxodo do Centro da cidade. Criada a partir de uma necessidade básica – o estacionamento para bicicletas --, o ecossistema ativo em que se transformou tornou-se referência internacional no quesito “ideias inovadoras.” Dia desses, a prefeitura de Curitiba chamou Patricia e Fernando Rosenbaum, o outro sócio (e marido), para conversar com uma consultora da Inglaterra, que queria saber, afinal, o segredo daquele lugar. “A essência se mantém: o foco é apoio ao ciclista, não só à bicicleta”, diz Patricia, artista formada, diplomada em Relações Internacionais e com pós-graduação em História da Arte.
[O projeto] caberia em vários pontos da cidade. Não só pela revitalização, que é natural, mas porque pode revelar uma comunidade que às vezes a gente nem sabe que existe.
Boa vizinhança
O espaço que já recebeu Jesse Harris, guitarrista de Norah Jones, bate o escanteio e vai para a área cabecear. O radar que diminuiu a velocidade dos expressos na Presidente Faria é culpa deles. A placa que avisa que a conversão para a Alfredo Bufren é proibida, também. Por isso, são unanimidade na vizinhança. “É tudo numa boa”, garante Jacqueline Heberle, proprietária da papelaria ao lado do número 226. “Tem shows e exposições, né? É um ambiente que acalma toda essa loucura.” Mercia Souza, dona da loja de camisetas ali do lado, fica feliz porque aquelas pessoas “se preocupam” com a região. “Seria pior sem eles”, avisa.
O sucesso improvável da Bicicletaria Cultural e a aprovação popular desafiam, em última instância, o poder público a valorizar mais a essência do que o sistema, a acreditar em ideias e não só em projetos mirabolantes que dependem da boa vontade política ou de interesses não declarados. “Isso caberia, com estudo de mercado, em vários pontos da cidade. Não só pela revitalização, que é natural quando pessoas passam a frequentar determinada região, mas porque pode revelar uma comunidade que às vezes a gente nem sabe que existe. É uma espécie de contaminação positiva”, explica Patricia.
Para quem pensa nos negócios além dos ideais (e para os São Tomés de plantão) fica a dica: em pesquisa realizada pelo Departamento de Nova York em 2012, houve um acréscimo de 49% nas vendas em lojas que passaram a contar com ciclovias ou lojas para bicicleta nas redondezas.
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