Parece que a caixa está se abrindo. E, melhor, isso acontece justamente quando a Bienal se chama "Como viver junto". As novidades desta edição, que começam pela eleição - e não a indicação - da curadoria, vão até a derrubada da divisão por nacionalidades na exposição, passando por um programa inédito de residências de artistas estrangeiros no Brasil e debates abertos que vêm cutucando o tema do evento desde janeiro. A exposição das obras acontece entre 7 de outubro e 17 de dezembro.
"Acho que nessa Bienal vai ser perceptível a mistura de artista e não-artista. Você pega, por exemplo, o Jamac. Qual é a fronteira entre arte e comunidade, entre arte e não-artista?" provoca a curadora Lisette Lagnado, ao lembrar que o Jardim Miriam Arte Clube, comunidade da periferia da zonal sul paulistana apoiada e criada por artistas profissionais, faz parte da seleta lista de 118 nomes recrutados para a megamostra - entre as três maiores do mundo. Em tempo: para ver o Jamac, os visitantes irão sair da "caixa", indo até o Jardim Miriam.
Outros grupos de gente que vive junto figuram na lista - eclética - que tem até o cineasta Jean-Luc Godard na novidade "Quinzena de filmes", também deste ano. Dois coletivos argentinos, nascidos depois da crise de 2001, vêm mostrar sua arte popular com serigrafia e livros feitos de papel cartão.
Da China, vem o pessoal que refaz a grande marcha do exército de Mao Tsé-Tung - 12 mil quilômetros - só que deixando uma obra em cada parada. Detalhe: a cada pausa dos colegas, o artista Qin Ga, que fica em Pequim, tatua mais um ponto do trajeto nas costas.
Ainda entre os coletivos, vêm a São Paulo o popular Superflex, criador da "Free beer" ('cerveja livre', em alusão ao software livre), sensação no Hemisfério Norte e que foi provada até pelo ministro Gilberto Gil, e os congoleses do Konono nº 1, banda que batuca em "instrumentos" catados do lixo: baterias, rodas e outras partes de carros.
Mudanças
"O fato de a Bienal ter aos poucos entregue à população seus conteúdos simbólicos ajudou a tirar uma espécie de arrogância, um elitismo", comenta a curadora sobre os debates e residências. E assegura: "Não quer dizer que essa Bienal não seja extremamente conceitual e que ela não tenha substratos filosóficos".
Quanto à queda das nacionalidades, ela exemplifica: "Muitos artistas me afirmaram que não participariam da Bienal se ela fosse de representações nacionais. Uma artista que é grande aposta nossa nesse ano, a fotógrafa Ahlam Shibli, se diz palestina. Ela nasceu em Haifa, Israel, mas é beduína. Se eu tivesse que colocar países, teria que colocar 'Ahlam Shibli - Haifa/Israel'. Só que ela não quer".
A preocupação é que o discurso e a expressão artística representem a visão de mundo dos artistas e não os países em que eles nasceram, mesmo porque a maioria deles já não vive e trabalha na cidade e até no país natal.
"As críticas virão"
Pode ser que, desta vez, a Bienal chegue a seu primeiro milhão de visitantes, número quase alcançado na última edição, que já tinha entrada gratuita. Mas, afinal, 1 milhão de pessoas vendo arte é bom ou ruim? "É ruim quando você faz uma enquete e percebe que as pessoas saíram do pavilhão sem conseguir responder minimamente a algumas perguntas sobre o que sobrou da visita. Significa que elas entraram aqui da mesma forma que entraram num shopping center", explica.
"Acho excelente um milhão de pessoas, mas quero que elas saiam com um diferencial, a lembrança de uma obra, por exemplo."
Com essa aposta na "arte-vida", não será difícil ganhar o público. Talvez complique na hora de encarar os especialistas do mundo das artes. "As críticas virão", diz Lisette, "você tem que lembrar como foi bombado na Bienal passada o Matthew Barney [artista que desfilou de trator no carnaval baiano - adorado pelo público e considerado pela crítica como "espetacular"]. Vamos discutir se ele é bom ou não depois, mas ele é um fenômeno. Acho que a Bienal de São Paulo sempre cumpriu esse papel de experimentar".
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