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A vida de Mário de Andrade, um dos maiores intelectuais brasileiros, está agora retratada na biografia Eu Sou Trezentos: Mário de Andrade – Vida e Obra. Lançado na quarta-feira passada (25), data dos 70 anos de morte do escritor, o livro traz uma análise da personalidade de um dos principais criadores da Semana de Arte Moderna (1922), a partir de seus poemas, contos, romances, ensaios e outras iniciativas.

Na biografia, o autor e filósofo Eduardo Jardim expõe a figura de Mário de Andrade como um homem que vivia perante inúmeras contradições. Autor do clássico Macunaíma (1928) e um dos principais expoentes do movimento modernista, o poeta – que também assumiu, entre outras, as facetas de músico, crítico e pesquisador da cultura popular brasileira – tem sua vida dividida em diferentes momentos na obra.

Segundo Jardim, a biografia é resultado de anos intensos de pesquisa. Além de ter mestrado em modernismo, o filósofo fez de Mário de Andrade o tema principal de seus estudos de doutorado. Somente para a escrita do livro, foram três anos. A obra foi editada pela Edições de Janeiro com patrocínio da Fundação Biblioteca Nacional (FBN).

Em entrevista à Gazeta do Povo, Jardim contou um pouco mais sobre a biografia, que já está à venda nas livrarias do país.

Não há como fugir da pergunta básica: por que biografar Mário de Andrade?

Porque ainda não tinha uma biografia dele. Tenho estudado o modernismo, especialmente Mário de Andrade, há muito tempo. Fiz mestrado e doutorado sobre o tema. No doutorado, a figura de Mário ganhou ainda mais destaque. Eu sempre tive muito interesse pela vida do escritor. A diferença é que esta biografia tem um caráter mais ensaístico, porque acho que, no caso dele, é especialmente difícil analisar a obra sem vida e vida sem a obra. Então, o livro tem um sentido de biografia, mas também, talvez por causa da minha formação, um aspecto analítico. A ideia que a gente tem de biografia não seria suficiente para eu escrever este livro.

Qual foi a maior dificuldade para escrever a biografia de um dos mais importantes intelectuais que o Brasil já teve?

De fato. Mário de Andrade é uma das figuras intelectuais mais importantes do século vinte no Brasil. Isso pela obra que ele deixou, pelos projetos, pelos próprios pensamentos dele. Acho que a maior dificuldade para mim foi a amplitude do material de Mário. Ele tem um conjunto de obras muito grande e muito variada. E tem ainda a enormidade de correspondências que ele trocava. Outra coisa é que, como sou formado em filosofia, que é muito mais conceito, tive que me interessar mais por este aspecto biográfico.

Apesar de algumas declarações já dadas sobre o assunto, há ainda uma página em branco sobre a sexualidade de Mário de Andrade. Como seu livro trata disso?

Eu trato desse assunto porque não tem como não tratar. Acho que, no fundo, é muito mais interessante ver a figura de Mário de Andrade como um homem tomado de uma forte sensualidade. Ele falava de pansexualidade, um amor do todo. Ele experimentava uma sensualidade muito forte e isso criava uma enorme tensão na vida dele. Tento falar da sexualidade com naturalidade, para tirar um pouco essa carga de coisa estranha e exótica. Como eu não tenho, e acho q ninguém tem, documentos dele relativos a isso, mostro como essa temática aparece na obra dele. Ele tem um conto maravilhoso do livro Contos Novos [Frederico Paciência], cuja temática é o amor entre dois rapazes.

Mario de Andrade foi romancista, poeta, crítico, músico, pesquisador, defensor da cultura popular, esteve à frente do modernismo brasileiro. Ou seja, um homem de trezentas faces. Algum desses “Mários” merece mais destaque?

É difícil achar um deles. Existe um livro estupendo dele que é o Macunaíma. Mas, ele não é escritor de outros textos de ficção grandes. Mário era um super contista. Também foi poeta, mas acho que a poesia que ele fez não foi devidamente valorizada. Também é um ensaísta de peso. Talvez a obra dele como ensaísta, que tem a ver com projeto de retomar a cultura genuína, é o que mais interessa trazer novamente hoje. Porque, nessa linha de estudos culturais, ele foi interrompido por uma vertente autoritária [na Era Vargas], que acaba com a saída dele do departamento de cultura de São Paulo. Foi uma frustração muito grande na vida dele.

Uma das principais missões assumidas pelo escritor foi de criar um Brasil de culturas próprias. Se ele estivesse vivo, você acha que estaria contente com o que é a cultura no nosso país hoje?

Quem está contente com o Brasil de hoje? Certamente ele não iria se reconhecer neste país em que as diferenças culturais, que deveriam ser valorizadas, estão cada vez mais apagadas.

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