Astor Piazzolla: renovador do tango| Foto: Divulgação

Montevidéu - Não sabia tanto de música clássica como dava a entender. Tampouco tocou com os artistas norte-americanos que dizia haver conhecido, muito menos tinha o público de Nova York a seus pés, como se sugeria nas reportagens em circulação na Argentina. Uma a uma, muitas das circunstâncias historicamente atribuídas à vida de Astor Piazzolla (1921-1992) são examinadas a fundo e, várias vezes, reescritas em El Mal Entendido, biografia crítica lançada recentemente em Buenos Aires pelos jornalistas e músicos Diego Fischerman e Abel Gilbert e que relaciona a trajetória e a obra do artista de Mar del Plata ao contexto social, cultural e político de seu país.

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Se algumas das "verdades’’ vinculadas ao músico caem por terra frente às evidências garimpadas pelos pesquisadores, a principal delas permanece: seja como for, trata-se de um dos artistas mais importantes do século 20 e, graças a seu gênio, o tango teve renovação sem precedentes. "Nem todo Piazzolla é genial, mas em todo Piazzolla há algo genial’’, diz Fischer­man, 54 anos. "Não quisemos es­­cre­­ver mais uma biografia, mas um estudo que entendesse a cultura como totalidade, um ‘continuum’, o que Piaz­zolla ouviu e como foi ouvido’’, diz o autor.

Entre a consciência dos preconceitos dos homens de seu tempo e algo do que hoje poderia ser chamado de talento para o marketing pessoal, Piazzolla construiu uma imagem que pudesse legitimar sua importância dentro de um universo então "agonizante’’ – como classificam os escritores – tanto em termos de criatividade como de público e representatividade, na Argentina de meados do século 20.

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O objetivo do livro não é ser uma compilação de incorreções históricas nem julgar Piazzolla pelas inverdades que ajudou a perpetrar, mas "entender por que o fazia’’, enfatiza Fischerman. "A Argentina era muito isolada nos anos 50 e 60. As leituras, as notícias eram muito atrasadas. Os músicos que iam ao exterior se convertiam em cúmplices do que se descrevia como triunfo em Nova York ou Paris, quando na verdade ha­­viam tocado não mais que algumas vezes em algum lugar de segundo ou terceiro escalão.’’ Nesse contexto, Piazzolla inventou, ou exagerou, uma biografia que fosse ao encontro do que se esperava dele. "Piazzolla pensou sua vida um pouco como então se contava a vida dos músicos nos filmes. Envolvia-se em polêmicas da época, sabia que isso dava o que falar.’’

Outro objetivo do volume é ser um livro de música, que analisa origens e legados do tango para além do aspecto de "parte do ser nacional’’. "O tango sempre foi visto a partir do anedotário, da forma como representa os argentinos. Se você nunca tivesse escutado tango e buscasse informação a partir do que existe escrito a respeito na Argentina, jamais saberia como soa. Isso não acontece com o jazz ou a bossa nova.’’

Serviço

El Mal Entendido, de Diego Fischerman e Abel Gilbert. Edhasa, 408 págs., 59 pesos (cerca de R$ 27) .