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J.D. Salinger optou pela reclusão e lançou poucos livros durante a sua trajetória | Reprodução
J.D. Salinger optou pela reclusão e lançou poucos livros durante a sua trajetória| Foto: Reprodução

Fã declarado de J.D. Salinger, o americano Kenneth Slawenski manteve um site sobre o autor de O Apanhador no Campo de Centeio e durante oito anos, trabalhou em uma biografia. O resultado é o trabalho de um admirador, que de­­monstra respeito e carinho por seu biografado. Em se tratando de Salinger, este respeito é oportuno. A opção do escritor de viver recluso e evitar contato com a imprensa provocou aquele tipo de curiosidade sobre "famosos" que beira a sordidez. Slawenski não cai na tentação de vasculhar aspectos cu­­­­­­­riosos da vida de Salinger. O que parece estar por trás de toda a biografia é a vontade de contar como Salinger construiu sua obra.

O respeito do biógrafo se re­­flete na estrutura do livro, concentrado no período em que Salinger era um autor desconhecido e não se escondia. Sobre os quase 50 anos em que o escritor se recolheu, Slawenski registra apenas os episódios que se tornaram públicos, como as lutas judiciais para proteger a obra, os casamentos e as reportagens feitas às escondidas, que irritavam o escritor e o empurravam ainda mais para a reclusão.

A juventude de Salinger, quando ele começou a escrever, é relatada com riqueza de detalhes. Estão lá as dificuldades na vida escolar (Salinger foi um estudante medíocre e desinteressado, que nunca concluiu a faculdade); a vida militar; suas primeiras e infelizes tentativas de ver um texto publicado, e a primeira paixão (por Oona O’Neil, filha do dramaturgo Eugene O’Neil e futura es­­posa de Charles Chaplin).

Interpretação

A experiência de Salinger na Segunda Guerra é relatada em detalhes – o biógrafo acredita que ela marcou a vida do autor e sua obra como nenhuma outra vivência. Como outras conclusões, esta pode ser lida com reservas, já que é a interpretação que Slawenski faz dos fatos que encontrou. Salinger se enquadrou no padrão notado pelo escritor alemão W.G. Sebald nas populações e soldados diretamente atingidos pela guerra: preferiu não comentar, registrar ou refletir publicamente sobre o que viu nos campos de batalha. Os relatos de Slawenski são baseados nos registros das missões da 4.ª Divisão de Infantaria, que esteve em missões que poderiam ser classificadas como suicidas e, ao mesmo, inúteis. Além disso, a divisão em que Salinger estava lotado participou do desembarque na Normandia e da libertação do campo de concentração de Da­­chau (sobre este lugar ele teria escrito "Você pode viver uma vida inteira, e não vai conseguir nunca tirar realmente o cheiro de carne queimada do seu nariz").

A outra vertente de experiências que o biógrafo vasculha é a busca espiritual de Salinger, um judeu encantado com Jesus e que adotou preceitos zen-budistas. Aí começa um dos traços mais impressionantes da história deste escritor, que com poucos li­­vros se tornou um dos grandes nomes da literatura do século 20: o reconhecimento público revolvia o ego de Salinger, ameaçando fazer desabrochar a vaidade e a afetação e afastando-o daquilo que considerava cada vez mais importante, que era viver em um estado de oração (ou de meditação) constante.

Para fugir do risco de se perder no mundo do ego, Salinger se afastou do mundo dos homens. A certa altura, optou por também não publicar mais, para não ter que lidar com os editores, a imprensa e até com os fãs. Diz Slawenski: "A mídia, com seu implacável escrutínio e invasão de privacidade, levou Salinger a um grau de reclusão que ele não teria procurado por iniciativa própria, reforçando sua resolução de permanecer no anonimato, enquanto seu desejo de privacidade se tornava mais precioso para ele quanto mais difícil ficava de obter."

Serviço

Salinger, Uma Vida, de Kenneth Slawenski. Editora Leya. 395 págs. R$ 45. Biografia.

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