Um dos efeitos colaterais da Guerra Fria, polarização do jogo geopolítico internacional que sucedeu o término da Segunda Guerra Mundial, foi a exacerbada fobia no mundo capitalista a tudo que dissesse respeito ao comunismo. Sobretudo nos Estados Unidos, qualquer manifestação que, de alguma forma, pudesse levantar suspeitas de uma simpatia, por mais tímida que fosse, pelo ideário soviético não apenas era interpretada como alta traição: tinha o peso de anátema, ato pecaminoso digno excomunhão.

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Foi nesse ambiente que o senador republicano Joseph McCarthy, representante do estado de Wisconsin, conseguiu semear tanto no Congresso norte-americano quanto dentro própria sociedade um clima de terror e histeria muitas vezes infundado. Do apreço pela obra de algum escritor russo ao envolvimento em causas trabalhistas e sindicais, qualquer ato ou postura poderiam ser interpretados como manifestação, ainda que velada, ao inimigo. E passível de punição severa.

O longa-metragem Boa Noite, e Boa Sorte, que estréia nesta sexta-feira (3) em circuito nacional, traz de volta à ordem do dia esse capítulo sombrio da História Contemporânea. Indicada a seis Oscars, inclusive melhor filme, diretor (George Clooney) e ator (David Straithairn), a produção mostra o impacto da cruzada anti-comunista de McCarthy nos meios de comunicação de massa.

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O discurso fanfarrão e apocalíptico do senador republicano encontra um adversário à altura na figura do jornalista Edward R. Murrow (Staithairn), âncora de See It Now, um programa transmitido pela rede CBS, sempre arrematado pela frase que dá título ao filme: "Boa noite, e boa sorte". Quando a sua equipe descobre a história de um operário do Meio-Oeste que, por uma pífia suspeita de envolvimento de seu pai com a causa comunista, cai em desgraça, em 1954. Sabendo que o trabalhador é um entre muitos cidadãos americanos tolhidos em seus direitos civis e de expressão por conta da paranóia gerada por McCarthy, Murrow e seu produtor, o jornalista Fred Friendly, vivido pelo próprio Clooney, resolvem enfrentar o senador, tentando provar que a caça às bruxas desencadeada pelo político não apenas é arbitrária como fere o ideário democrático dos Estados Unidos em seus princípios mais fundamentais.

Rodado em preto e branco, o que o aproxima da estética noir e de clássicos sobre o jornalismo, como Cidadão Kane, é uma pequena jóia cinematográfica e programa obrigatório para todos que trabalhem com a mídia. O filme, graças a um roteiro enxuto e marcado por diálogos afiados e jamais retóricos, consegue conduzir o olhar do espectador pelos bastidores do jornalismo norte-americano. Proporciona uma visão privilegiada de como funcionava o trâmite do poder entre o Departamento de Jornalismo e a cúpula da emissora, representada pelo alto executivo William S. Paley (Frank Langella), que sofre pressões de todos os lados para que o tom do programa de Murrow seja amainado. Essas forças contrárias vêm tanto de patrocinadores quanto do próprio McCarthy, que não é interpretado por ator algum. Clooney optou por utilizar imagens documentais do senador, além de outros trechos de cinejornais da época. A opção, acertada, dá a Boa Noite, e Boa Sorte uma bem-vinda verossimilhança (o que também o aproxima de Cidadão Kane).

Outro grande trunfo da produção é o elenco, a começar pela brilhante atuação de David Staithairn, que lhe valeu o prêmio de melhor interpretação masculina no último Festival de Veneza. O ator, muito respeitado no circuito independente, constrói Edward Murrow sem o menor intento de fazê-lo empático ou heróico. A começar por sua postura física, algo esnobe e fria, e seu hábito de fumar teatralmente em cena. Clooney, generosamente, deixa o protagonista brilhar e se mantém na retaguarda, contendo o seu habitual carisma e dando a Friendly um tom sereno, contido. Patricia Clarkson e Robert Downey Jr., como um casal de jornalistas de equipe de Murrow, também se destacam em uma trama paralela que mostra o impacto da caça às bruxas perpetrada por McCarthy na vida privada das pessoas.

Por último, vale ressaltar a luxuosa participação da cantora de jazz Dianne Reeves interpretanto standards da época que pontuam a ação, por vezes funcionando até mesmo como comentário sutil sobre os acontecimentos da trama. Algo a mais que empresta à narrativa um toque de charme que diferencia ainda mais um dos melhores filmes da temporada.

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