O primeiro sinal de que a COP8 vai ser do barulho foi notado já no início da manhã desta segunda-feira, durante a cerimônia de abertura da conferência da biodiversidade. Parte da representação indígena, com 200 membros estimados e vestidos a caráter, rompeu as convenções e entrou no grande auditório em fila dupla uma espécie de comitiva ilustrada dos povos da floresta. Até as intérpretes devem ter perdido a voz. Era gente dos quatro cantos do mapa, mas o show ficou mesmo para uma delegação de 42 índios carajás da Ilha do Bananal, no Tocantins, que fez o cerimonial de boas-vindas Hetohoky (lê-se retorocan). O grupo não se contentou em estar de índio: vestiu traje de gala, banqueteando curiosos, brasilianistas e estudantes de Antropologia Cultural: pintura com jenipapo, pulseiras de algodão, penas de arara, burduna na mão e quase nenhum índio sem as duas queimaduras redondas, embaixo dos olhos, marca tribal, conforme descrição de Belari Karajá indicado por seus amigos para descrever o ritual. "É uma festa de recepção. Significa casa grande", ensina.
Recepcionadíssimas, as autoridades começaram a falar enquanto parte dos povos tradicionais se retirou sem alarde para o espaço indígena, uma área com três tabas, um pequeno auditório, tudo coberto com o fresquíssimo sapê, um refrigério no último dia de verão. "É tecnologia índia. Eles têm séculos de experiência", elogia a voluntária, enquanto os representantes do Brasil vão se assentando, à espera das marmitas. Os líderes mais articulados ficaram no centro de convenções e podem freqüentar a sala B1-18, destinada às organizações indígenas de todos os países. No lugar do sapê, ar-condicionado.
Quenianos, chilenos, russos e brasileiros cerca de 50 representantes têm ali sua trincheira de negociações. Tudo indica que, passado o impacto das roupas exóticas, vão ter de falar grosso para serem ouvidos. Lá fora, mais relaxados, o segundo escalão das comitivas pode participar da programação da UNDP, a agência das Nações Unidas para o desenvolvimento. Mesmo não sabendo muito bem do que se trata. Os vizinhos são de confiança militantes do Quênia, das Filipinas, da Tailândia, das Ilhas Fiji.
Sozê, dos xerentes, aldeia nas cercanias de Palmas (TO), veio com mais um colega de tribo. Eles representam 3.870 índios, precisamente. Enquanto um circula na selva da B1-18, o outro explica para curiosos como se fazem todos aqueles arcos e enfeites de encher os olhos. Na pressa, Sozê esqueceu de tirar o sapato e a meia, usados na viagem de avião e com os quais deu entrada no hotel. Mas nada que roube sua majestade. Ao lado dele, Valdemar e Paulo, pai e filho, nambiquaras de Sapezal (MT), tomaram todo o cuidado com o visual. O mais velho, pajé com inacreditáveis 80 anos, leva uma pena atravessada nas narinas e manteve cada colar no prumo, o tempo todo. O mais novo pintou o corpo com urutum vermelho e enfrentou com orgulho os olhares curiosos algo como 3.700, o equivalente a todos os xerentes. A COP8 já começou.
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