A indústria do cinema indiano, tida como a maior do mundo e conhecida como Bollywood, completa 100 anos oferecendo evasão e deuses laicos, além de assumir um papel de conciliação em um país composto por diferentes religiões, línguas e culturas.
A grande paixão popular da Índia foi iniciada em maio de 1913, com a estreia do filme "Rei Harishchandra", dirigido por Dadasaheb Phalke, que retrata de forma épica os textos sagrados hindus na cidade de Mumbai, desde então considerada a Meca do cinema indiano.
A chegada do som em 1931, com "Alam Ara", uma história de amor entre uma cigana e um príncipe, ajudou a definir as bases do cinema na Índia, que, desde a década de 1940, passou a adotar uma fórmula infalível de canções, danças, romances, dramas e fantasias.
Embora a fórmula se repita com sucesso, a temática evoluiu muito com o tempo, passando de temas sociais ao "cinema de evasão" que hoje predomina em Bollywood.
"Nos anos 50 e 60, o cinema refletia o idealismo dos indianos após a independência do Reino Unido, quando todos buscavam uma sociedade mais justa", explicou à Agência Efe Dilip Mehta, autor de filmes como "Cozinhando com Stella".
O filme "Mother India", de 1957 e que relata os sofrimentos cotidianos de qualquer indiano refletidas na pele de uma mulher, é um exemplo bem significativo desse chamado "cinema social".
"Já nos anos 70, o cinema se industrializa e começa a oferecer o que chamamos de cinema de evasão", prosseguiu o cineasta, que acrescentou: "Hoje os espectadores querem fugir da realidade nas salas de cinema".
Amitabh Bachchan, talvez a maior estrela de Bollywood, se tornou um grande astro encarnando heróis de favelas que travavam inúmeras brigas com fazendeiros e políticos corruptos nos anos 50, enquanto, na atualidade, o mesmo costuma aparecer em papéis mais conservadores.
Segundo Mehta, o cinema indiano atualmente se apresenta como um cinema de corte conservador e conformista, ou seja, aquele que reforça os valores mais tradicionais.
No entanto, os cineastas indianos também quebram barreiras do que é socialmente aceitável, como o filme "Kismet", que narra a história de uma gravidez fora do casamento.
Mais recentemente, filmes como "Três Idiotas" também conseguiram combinar o êxito nas bilheterias e reflexões sobre educação. "Foi um sucesso porque era divertido, mas também porque existe uma frustração entre os jovens relacionada ao sistema educacional", afirmou Mehta.
"Dunno Y... Na Jaane Kyun" se mostra como um marco no cinema indiano por ter apresentado o primeiro beijo gay em 2010 e sem que o mesmo causasse incidente, como ocorreu com o filme "Fogo", lançado pelo próprio Deepa Mehta em 1996. Na ocasião, por conta do possível conteúdo homossexual do filme, algumas salas de cinema chegaram a ser queimadas no país.
O romance e o casamento por amor também ocupa um grande território cinematográfico no país, onde aproximadamente 90% dos indianos ainda optam pelo casamento arranjado.
"A fantasia do casamento por amor reina em Bollywood e é exposta como um verdadeiro caminho à felicidade conjugal", declarou o psicólogo Sudhir Kakar.
Além de oferecer fugas da realidade e romance, o cinema indiano também desenvolve um importante papel de conciliação em um país que conta com 22 línguas oficiais, várias religiões e culturas.
"O cinema de Bollywood é seguido por indianos de todas as idades, gêneros, castas, religiões e grupos lingüísticos", comentou o compositor de trilhas sonoras Javed Akhtar, que completou: "O cinema híndi também poder ser considerado como outro estado do país".
O cinema indiano chega ao seu centenário com uma produção de mais de mil filmes por ano e quase 3 bilhões de ingressos, números que tendem a aumentar com o crescimento previsto para a indústria - de 13,2% até 2015, segundo a empresa de consultoria Pwc.
Uma indústria que resiste aos ataques de Hollywood, que, apesar de ter dobrado sua bilheteria na Índia em 2011, só conseguiu 6,8% da arrecadação local neste ano, apesar de suas grandes produções já terem se adaptado às línguas indianas, como híndi, tâmil e telugu.