É notório e corrente o uso do argumento da reinvenção como critério de avaliação das coisas.
Na música pop, muitas vezes determinamos a relevância (palavrinha tosca) de um artista pela sua não repetição: não gostamos quando um artista vira “cover de si mesmo”, ou seja, repete fórmulas que ele mesmo criou para manter-se vivo, para agradar os fãs, para garantir um maior público em suas turnês. Bowie também fazia isso, só que, ao contrário, ele “inventou a reinvenção”. Essa era sua fórmula. A partir dele, o critério passou a ser usado para avaliação artística.
Antes, ninguém precisava disso.
Sua conexão com a atualidade sempre foi impressionante, mas Blackstar nos mostra muito mais do que isso: nos mostra que a “chama que arde no centro de tudo isto” é nosso olhar, nossa percepção
Passei este último fim de semana ouvindo o recém lançado disco-requiém-despedida Blackstar sem me tocar que podia ser o último.
Lembrei dos amigos, claro, afinal todos nós seguimos o cara. Quando o Edu (outro fanzaço) me pediu para escrever algo sobre sua morte fiquei animado, mas logo vi que a tarefa não seria fácil, me assombrou o fato de que todas as pessoas que eu admiro estão pensando no que falar sobre o Bowie agora – e todo mundo, logicamente, tem uma história muito melhor do que a minha. Então, não vou contar história nenhuma.
Vou apenas afirmar minha impressão de que tudo que ele foi está neste último álbum. Sua conexão com a atualidade sempre foi impressionante, mas Blackstar nos mostra muito mais do que isso: nos mostra que a “chama que arde no centro de tudo isto” é nosso olhar, nossa percepção. Ele fez disto uma constante em meio século de carreira artística. Seus olhos, um de cada cor, mudaram o jeito como nos relacionamos com o mundo, nos fizeram notar que o ‘aqui’ e o ‘agora’ estão em primeiro plano.
O que somos, o que expressamos e, no nosso caso, o que ouvimos, pode e deve mudar, sem que para isso precisemos abrir mão de nós mesmos.
Ele sempre esteve ali, Bowie sempre esteve ali.
Agora não está mais.
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