A fábula de João e Maria, coletada pelos irmãos Grimm, tem tudo para ser adaptada aos dias que correm. Fala de dois irmãos abandonados numa floresta pela família pobre, que não tem mais condições de criar as crianças. O resto da história todo mundo conhece: eles espalham pão entre as árvores na esperança de voltar para casa, mas os pássaros comem as migalhas e eles acabam presos na casa de uma bruxa.
A parábola sobre o desamparo da infância e o rito de passagem para o mundo dos adultos certamente será lembrada hoje, às 13 horas, na 21ª Bienal Internacional do Livro, quando o escritor irlandês John Boyne, autor de "O Menino do Pijama Listrado", estiver discutindo os poderes da fábula com o norueguês Jostein Gaarder, de "O Mundo de Sofia". Isso porque o conto de João e Maria é a fonte de inspiração do mais recente livro de Boyne, "Noah Barleywater Runs Away", que será lançado nos Estados Unidos em outubro.
O Noah do título tem 8 anos e resolve, certo dia, sair de casa e caminhar pela floresta. Perdido e cansado, topa, após uma longa caminhada, com uma loja de brinquedos comandada por um artesão, um Gepeto contador de histórias que o conduz a uma jornada de transformação. Como se vê, Boyne acredita no poder da alegoria. Foi assim com o best seller "O Menino do Pijama Listrado", história da amizade do filho de um oficial nazista com um menino judeu preso num campo de concentração, em que Boyne se colocou no lugar do primeiro para falar dos horrores do 3º Reich.
John Boyne, de quem a editora Companhia das Letras acaba de lançar "O Palácio de Inverno", diz que voltar à literatura infanto-juvenil, após tratar da família dos Romanovs, é mais que um exercício literário; é uma maneira quase missionária de atrair novos leitores num mundo de videogames e pesado trânsito internético.
De algum modo, funciona assim com Boyle: sente-se inexplicavelmente atraído por um tema e sai pesquisando como se uma força superior o empurrasse. "Desde adolescente leio sobre Nicholas e Alexandra e me vi compelido a ler tudo a respeito deles para escrever o romance" (sobre o guarda-costas de um dos filhos do czar Nicolau II).
O irlandês se obrigou a passar uma temporada no rigoroso inverno de São Petersburgo para pesquisar. Numa visita ao museu Hermitage, antigo palácio residencial dos czares russos, sentiu a forte presença do casal Romanov: "Foi uma sensação estranha, como se ouvisse um pedido para esclarecer pontos obscuros da história familiar." Embora não seja um livro político, "O Palácio de Inverno" mostra um lado menos explorado do czar, não o do obtuso imperador morto com sua família pelos bolcheviques, mas o de um deprimido incapaz de manter a união nacional. "Talvez seja um senso de justiça que me move", diz, adiantando que não pretende virar historiador.
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